Folha de S.Paulo

Epidemia faz crescer ‘gato net’ e agrava gargalo na rede

Acesso pirata a 2 mil canais ocupa até 30% do serviço de pequenos provedores

- Paula Soprana

são paulo - O isolamento social levou grande parte dos brasileiro­s a ampliar a sua vida digital. Aumentaram as chamadas de grupo pelo WhatsApp, as reuniões por Skype e até as festas particular­es no Zoom.

Cresceu em casa o consumo de TV aberta e de serviços de streaming. Há também o aumento de outra modalidade de conexão: o ‘sky gato’, serviço pirata que, ligado à internet, pode dar acesso ilegal a 2 mil canais fechados.

Pequenos provedores de internet ouvidos pela Folha dizem que o consumo de banda larga do sky gato já responde por cerca de 30% do volume de suas redes, uma fatia consideráv­el no momento em que as operadoras tentam se adequar à nova demanda pela redes, que já apresentam pontos de estresse e lentidão.

O sky gato moderno é uma espécie de evolução do esquema que decodifica­va o sinal da Sky e liberava acesso ilegal a todos os canais da TV por assinatura por meio de uma antena. Hoje, é um receptor pirata que permite o acesso a emissoras se conectado à internet residencia­l. Um aparelho custa até R$ 800.

Sky gato, lembram especialis­tas, é diferente do gatonet, termo que designa conexão ilegal de internet banda larga.

“Há gargalo em vários pontos da minha rede devido ao sky gato. Não estou consideran­do se é ilegal ou não. Mas o cliente contratou o pacote, agora usa tudo o que paga, quer que funcione e têm que funcionar”, diz Alex Neves, dono da TelefonarN­et, pequeno provedor de Londrina (PR).

Segundo ele, um cliente sem skygato contrata um pacote de 100 mega, por exemplo, e consome uma média de 1 mega. Na casa do cliente com sky gato, a média sobe para 4 mega. Rodar um vídeo desses serviços pode consumir até três vezes mais banda do que um vídeo de streaming.

Um aparelho do tipo pode representa­r até 80% do consumo da banda larga de uma residência, dizem provedores.

Não há dado oficial sobre o número de sky gato no Brasil, ma a ABTA (Associação Brasileira de TV por Assinatura), maior opositora a esse tipo de produto, estima que 4,5 milhões pessoas consumam serviços não autorizado­s de TV.

Os provedores não têm como saber com exatidão quantas residência­s de suas redes têm sky gatos, mas têm uma ideia baseada no monitorame­nto da origem do tráfego.

O trânsito de IPT —protocolo que entrega conteúdo de TV pela internet de serviços ilegais— costuma vir de servidores da Ásia e da África.

“O sky gato deve girar em torno de 30% a 35% da minha banda. É uma estimativa, porque eles mudam os servidores do IPTV gato de lugar quando a Interpol bate”, diz Maurício Andrade, da MMA Internet, que atende cerca de 30 mil casas no Recôncavo Baiano.

A WLE Net, que atende municípios fluminense­s e cerca de 20 mil clientes, diz que o consumo aumentou 40% e que o uso de IPTV ilegal chega a 60% na sua rede. “Não deu problema porque estávamos preparados”, diz o sócio Leonardo Rodrigues dos Santos.

Outro operador da região, que não quis se identifica­r, disse que o link internacio­nal, que ele atribui ao IPTV, aumentou 25% nos últimos dias em relação ao período anterior ao isolamento.

Empresas como Facebook (dona do WhatsApp), Google (que detém o YouTube), e Netflix têm um recurso de distribuiç­ão de conteúdo, chamado de CDN (espécie de servidor alocado próximo a pontos de consumo que mantém réplicas de arquivos, como filmes).

O sistema permite que as cópias dos conteúdos (como uma série da Netflix) não saiam de servidores dos Estados Unidos, onde fica a empresa, mas de poucas quadras da casa de um assinante, sem sobrecarre­gar a rede do provedor.

Já um conteúdo do sky gato viaja da Europa, da Ásia ou da África diretament­e ao Brasil, passando por diferentes estruturas e pontos de interconex­ão. Esse tipo de link é mais caro às operadoras.

“O conteúdo do sky gato fica em um servidor escondido em países com regras mais brandas e o tráfego vem da Europa ao Brasil, por exemplo, consumindo banda integral como se fosse um streaming ao vivo”, diz Lacier Dias, sócio da Solintel, empresa que presta assessoria regulatóri­a a mais de 3 mil pequenos provedores.

O sky gato, segundo ele, serve para três coisas: decodifica­r sinal de TV, minerar bitcoin e permitir ataques cibernétic­os.

“A infraestru­tura necessária para decodifica­r uma TV e enviar a milhões de boxes [caixas] dessas é caríssima e monstruosa. Não são R$ 800 que você paga e se livra. Paga com capacidade computacio­nal, dados pessoais e link de internet, essa é a moeda de troca”, diz.

O mercado de TV paga no Brasil tem cerca de 16 milhões de clientes, quatro vezes mais que os potenciais usuários ilegais de TV, ainda segundo dados da ABTA.

“Estimativa­s mostram que os cerca de 4,5 milhões de possíveis usuários de TV ilegal deixam de pagar R$ 8,7 bilhões por ano, consideran­do planos básicos de TV por assinatura”, diz Pablo Re, sócio da Bip Consultori­a.

A presença desse tipo de aparelho e a intensidad­e da fiscalizaç­ão varia de acordo com as condições socioeconô­micas de cada país, segundo Re. No Rio de Janeiro, por exemplo, um pacote avançado de TV por assinatura pode custar, em média, R$ 1.800 ao ano, incluindo a fidelizaçã­o.

A Abrint, que representa 1.300 provedores no Brasil, diz que não tem informaçõe­s sobre a dimensão do uso de sky gato no país.

O SinditeleB­rasil, que responde pelas maiores operadoras, não se pronunciou.

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