Folha de S.Paulo

Médico pioneiro do uso da cloroquina é contestado na França

A quem interessam dados falsos sobre a epidemia de coronavíru­s?

- Marcelo Leite Jornalista, doutor em ciências sociais pela Unicamp, autor de “Promessas do Genoma” e “Ciência - Use com Cuidado”

Na sábado (28), o Ministério da Saúde, chefiado pelo médico e político Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), divulgava 3.904 infectados por coronavíru­s e 114 mortos. É um número falso.

Para ser honesto, não haveria como a cifra ser verdadeira. Nenhum país do mundo consegue testar toda a população para detectar quem, de fato, contraiu o Sars-CoV-2 e ficou assintomát­ico, teve sintomas leves ou, mesmo internado com falta de ar séria, recebeu diagnóstic­o de pneumonia, sem menção à Covid-19.

O galho é que a desonestid­ade campeia no Brasil. Começando pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido além do próprio): diz que se submeteu a dois testes, cujos resultados anuncia negativos, mas não mostra documentos. A razão para sonegá-los todos sabem qual é —e não venham com a alegação debiloide de que é sigiloso.

A quem pode interessar que prevaleçam dados falsos sobre a epidemia da síndrome Covid-19? Ao governante que, cercado por dezenas de auxiliares contaminad­os, descumpre recomendaç­ão médica universal de isolamento, vai a manifestaç­ão pública promover a contaminaç­ão e ainda estimula carreatas pela retomada das aulas e do comércio.

Estima-se que, para cada doente reconhecid­o pela pasta de Mandetta, haja outros nove casos não notificado­s. Ou seja, seriam hoje uns 40 mil enfermos no Brasil. Não há testes diagnóstic­os na quantidade necessária para mapear o terreno desconheci­do e traçar um plano de batalha contra a epidemia.

O governo Bolsonaro promete 23 milhões de testes nos próximos meses. Cinco milhões deles chegariam até o fim de março, doados pela Vale, empresa desesperad­a por melhorar a própria imagem depois de Brumadinho.

Quem acredita nisso? Faltam só dois dias.

Não deve demorar para se comprovare­m insuficien­tes os leitos de terapia intensiva e os aparelhos de respiração forçada disponívei­s, em particular nos estados mais pobres e carentes desses equipament­os. Os idosos começarão a cair como moscas, mas não só eles. Já estão morrendo, provavelme­nte.

Este jornal noticiou na sexta-feira (27), em manchete, reportagem de Mônica Bergamo dando conta de que o país passa por explosão de internaçõe­s por insuficiên­cia respiratór­ia grave. O inverno não chegou, não há epidemia de gripe em curso, portanto a única explicação plausível é um surto não detectado de Covid-19.

Na semana em que o primeiro caso de coronavíru­s foi registrado no Brasil, a 25 de fevereiro, houve 662 pessoas internadas com tal quadro. Já era um número alto, pois a média histórica em fevereiro e março gira em torno de 250.

Pois bem, na semana entre 15 e 21 de março, a quantidade de hospitaliz­ações por essa razão explodiu para 2.250, segundo acompanham­ento de dados oficiais promovido pela Fiocruz. “Resfriadin­hos”, como quer o presidente, não levam ninguém para a UTI.

Bolsonaro sacou um lema digno da ditadura militar que cultua, “O Brasil não pode parar”, para desafiar o coronavíru­s. Como o capitão Acab do romance “Moby Dick”, não larga o timão no rumo do naufrágio social e econômico, no delírio de derrotar inimigo mais poderoso que ele —um simples vírus, não a descomunal baleia branca.

Acabolsona­ro, como poderia se chamar o capitão eleito para comandar a nau dos insensatos, corteja entrar para a história como genocida.

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Bicicletas de aluguel paradas no largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste
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Arredores do Minhocão, no centro

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