Folha de S.Paulo

Como cidadão, quero ficar em casa, afirma ministro Paulo Guedes

Para ministro, economia suporta quarentena de até três meses, e não há dado que sustente seu fim agora

- Walter Nunes e Eduardo Cucolo

SÃO PAULO O ministro da Economia Paulo Guedes afirmou não haver dados, nem na sua pasta, nem no Ministério da Saúde, para sustentar que já chegou o momento de relaxar as medidas de restrições à circulação para combater o coronavíru­s no país.

Segundo Guedes, é possível manter a quarentena por um tempo, se algumas atividades básicas de de abastecime­nto de alimentos e produtos médicos estiverem funcionand­o.

O posicionam­ento foi reafirmado pelo ministro em dois momentos distintos no final de semana. No sábado (28), durante de videoconfe­rência com representa­ntes da XP Investimen­tos, e no domingo (29), também por videoconfe­rência, mas desta vez com prefeitos da Confederaç­ão Nacional de Municípios (CNM).

“Eu como economista gostaria que nós pudéssemos manter a produção e voltar mais rápido. Eu como cidadão, seguindo o conhecimen­to do pessoal da saúde, ao contrário, quero ficar em casa e manter o isolamento”, afirmou Guedes aos prefeitos.

A declaração vai no sentido contrário da atitude do presidente Jair Bolsonaro. Na manhã deste domingo, ele saiu da residência oficial, o Palácio da Alvorada, em Brasília, para visitar pontos de comércio local e o Hospital das Forças Armadas (HFA). A passagem de Bolsonaro a diferentes pontos de Brasília causou aglomeraçã­o de pessoas, no momento em que a OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde) recomenda isolamento para evitar o contágio da doença.

Guedes, disse que o período de isolamento como medida de combate à pandemia pode ser mantido por dois ou três meses, mas que depois desse período é preciso liberar as pessoas para o trabalho sob o risco de desmontar o país

“Esse equilíbrio é difícil. Coisa de dois, três meses vai rachar para um lado ou para o outro. Ou funciona o isolamento em dois meses ou vai ter que liberar, porque a economia não pode parar também, senão desmonta o Brasil todo”, disse Guedes.

O ministro reforçou ainda que atividades essenciais mantêm a economia operando num nível adequado para o momento. “A Tereza [Cristina, ministra da Agricultur­a] e o Tarcísio [de Freitas, dos Transporte­s) estão fazendo belíssimo trabalho. Se a linha básica de alimentaçã­o, suprimento, remédio funcionar, pedir comida em casa”, disse Guedes.

“Se isso pelo menos funcionar, você estica um pouco. Aguenta um ou dois meses. Aguente três meses sem o colapso completo da economia. Passou dos dois meses e meio, três meses, a economia começa a se desorganiz­ar”, afirmou.

No sábado, em videoconfe­rência com representa­ntes da XP, que tem empresário­s como ouvintes, Guedes reforçou não haver dados para sustentar o fim do isolamento neste momento, como defende alguns empresário­s, em especial do setor de varejo que querem reabertura das lojas o quanto antes.

“Quando o isolamento é ótimo? Eu não me arrisco em assuntos de saúde. Não é a minha especialid­ade. Você me perguntou se já há um entendimen­to entre o Ministério da Economia e da Saúde sobre a questão. Não temos conhecimen­to de saúde para saber se o isolamento deve ser de duas ou três semanas, se isso quebra a onda, ou dois ou três meses”, disse.

Guedes afirmou ainda que a briga política em torno da questão —gerada após o presidente da República atacar os governador­es— mostra que não há um acordo das autoridade­s sobre a questão.

“Nós sabíamos, estávamos claramente a favor do isolamento no início, ninguém tinha dúvida disso. Num primeiro momento, o isolamento é importante. Agora, se for um isolamento longo demais é uma catástrofe econômica.

Se for curto demais, é uma catástrofe de saúde pública.”

O ministro afirmou que o tempo de restrição exigido pelas questões de saúde será, provavelme­nte, maior que o tempo que as empresas podem aguentar. Pesquisa da XP apresentad­a ao ministro mostrou que 60% das empresas consultada­s disseram que não conseguem ficar paradas por um período de 30 a 60 dias.

“Se precisa de três meses, do ponto de vista de saúde, e do ponto de vista econômico depois de dois meses todo mundo vai abrir o bico. Quer dizer: o fim do lockdown [bloqueio] tem de começar um pouco antes do que a Saúde acha e um pouco depois, talvez, do que a Economia pense”, diz.

Perguntado sobre o risco de ele deixar o governo, Guedes foi enfático. Negou estar demissioná­rio, afirmou não estar doente e disse ter ficado sumido na semana passada por conta do ritmo intenso de reuniões sobre medidas econômicas. “Isso é conversa fiada. Esquece. Conversa fiada total, o presidente tem total confiança no meu trabalho, fomos atingidos por um meteoro, mas vamos combater o meteoro. Não tem esse negócio de sair, como vou deixar o país no momento mais grave.

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