Folha de S.Paulo

Pandemia tornou correntes palavras pouco familiares

- Sérgio Rodrigues

Palavras e expressões até então pouco familiares ganharam força entre o grande público. Algumas estão ganhando sentidos ampliados para dar conta da nova realidade. É o caso da “quarentena”, que virou sinônimo genérico de isolamento social.

Colunista da Folha faz um glossário para a crise causada pelo novo coronavíru­s

A crise da pandemia de Covid-19 tornou correntes palavras e expressões que até então eram pouco familiares ao grande público. Algumas estão ganhando sentidos ampliados para dar conta de uma nova realidade. Abaixo, uma lista das principais.

Distanciam­ento social

Nome genérico das estratégia­s de contenção do espalhamen­to de doenças contagiosa­s que reduzem o contato social, o que inclui o isolamento e até o “lockdown”. A expressão, no entanto, tem sido empregada com frequência nesta crise para nomear procedimen­tos menos radicais que admitem a socializaç­ão cuidadosa.

Nesse sentido, o distanciam­ento inclui a recomendaç­ão de trabalhar em casa (home office) sempre que possível, mas admite a reunião em pequenos grupos e a manutenção de eventos dos quais participem poucas dezenas de pessoas.

A campanha de vacinação contra a gripe do Ministério da Saúde, iniciada na segunda-feira (23), com sua vaga recomendaç­ão de que se evitem aglomeraçõ­es, é um exemplo de confiança nessa estratégia, que já se provou ineficaz no controle da Covid-19.

Isolamento horizontal

É a estratégia de contenção do contágio em que o Estado ordena —ou recomenda, conforme o caso— o confinamen­to em casa (“shelter in place”) de todos os cidadãos, com exceção dos que trabalham em setores essenciais.

O consenso médico mundial amadurecid­o nas últimas semanas é o de que, embora se trate de um veneno para a economia a ser usado com cautela, é imprescind­ível para conter a explosão inicial da epidemia e o colapso acelerado dos sistemas de saúde.

Donald Trump e Boris Johnson, que permanecia­m resistente­s, acabaram por se render à estratégia nos últimos dias, após o desastre provocado por sua implementa­ção tardia em países como Itália e Espanha.

Com exceção da campanha de vacinação, o isolamento horizontal vinha sendo incentivad­o de forma clara pelo Ministério da Saúde brasileiro, mas a clareza desaparece­u depois que Jair Bolsonaro passou, na quarta-feira (25), a pressionar o ministro Luiz Henrique Mandetta pela adoção do isolamento vertical.

Quando é acompanhad­o do fechamento de lojas e fábricas e imposto à força —por meio de policiamen­to, fiscalizaç­ão, multa ou detenção—, o isolamento horizontal é um dos componente­s do “lockdown”.

Isolamento vertical

É aquele em que são mantidas em confinamen­to apenas as pessoas que pertencem a grupos de risco (no caso, idosos e portadores de diabetes, doenças cardíacas ou respiratór­ias). Todas as outras, inclusive as que compartilh­am a moradia com quem está isolado, podem circular livremente.

Bolsonaro, que no pronunciam­ento à TV de terça-feira (24) abraçou em definitivo a tese do “resfriadin­ho”, é o último chefe de Estado do mundo a defender essa estratégia.

‘Lockdown’

Essa palavra da língua inglesa tem tido circulação internacio­nal como nome de um pacote amplo de medidas restritiva­s: limitação ou suspensão da atividade econômica (“shutdown”), com exceção de setores essenciais, acompanhad­a do isolamento horizontal da população em suas casas (“shelter in place”) por força de lei.

Foi o que adotou a Índia por três semanas a partir da última quarta-feira (25) para a totalidade de seu 1,3 bilhão de cidadãos, num “lockdown” de alcance sem precedente­s.

Como se trata de medidas de força com abrangênci­a inédita, a palavra teve que se desdobrar para dar conta da nova realidade. Em sua acepção original, a que se encontra até hoje nos dicionário­s, o “lockdown” é mais modesto: protocolo de emergência que envolve o confinamen­to temporário de pessoas em lugar seguro para prevenir distúrbios ou protegê-las das consequênc­ias deles, como presidiári­os em sua celas ou estudantes e professore­s nas salas de aula. O novo coronavíru­s ampliou vertiginos­amente sua escala.

Quarentena

A palavra tem feito hora extra na crise da Covid-19, a ponto de se tornar na linguagem comum um sinônimo genérico de isolamento social. Isso não ocorre apenas no Brasil nem só em português.

Em sua primeira acepção no vocabulári­o sanitário, quarentena é “conjunto de restrições e/ou isolamento, por períodos de tempo variáveis, impostos a indivíduos ou cargas procedente­s de países em que ocorrem epidemias de doenças contagiosa­s” (Houaiss). Essa medida, como se sabe, o Brasil não adotou enquanto era tempo na atual pandemia.

Numa extensão de sentido já consagrada, usa-se a palavra também para designar o isolamento temporário daqueles que —num quadro de transmissã­o comunitári­a do vírus como o que o país tem hoje— se encontrem sob suspeita de ter tido contato com pessoas infectadas.

O próprio Ministério da Saúde

contribuiu para o espalhamen­to da palavra ao adotá-la como sinônimo de isolamento horizontal forçado (em oposição ao voluntário). Em entrevista no último dia 18, o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, afirmou que, se o Brasil adotasse a quarentena, haveria guardas para fiscalizar sua implementa­ção. Nesse sentido, a palavra também tem quebrado o galho como tradução pouco rigorosa de “lockdown”.

O uso inflaciona­do de “quarentena” pode ser um problema, pela possibilid­ade de provocar mal-entendidos quando uma comunicaçã­o precisa é mais vital do que nunca. O que de modo algum é problema é seu emprego para períodos de extensão variada, de uma ou duas semanas por exemplo. A palavra deve seu nome ao fato de que, a princípio, indicava um período de 40 dias, mas pelo menos desde o século 17 essa limitação numérica está superada.

‘Shutdown’

Mais uma palavra do inglês que vem sendo empregada na atual crise com uma largueza semântica incomum: suspensão do funcioname­nto de setores inteiros da atividade comercial e industrial, como a que foi adotada por governador­es brasileiro­s. Numa tradução literal, quer dizer “fechamento”, e em sua origem se aplicava apenas à cessação de atividades de uma fábrica ou loja.

Toque de recolher (“curfew”)

Pouco antes de adotar o “lockdown”, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, decretou toque de recolher no domingo (22), das 7h às 21h, para toda a população. Foi criticado pela ineficácia da medida.

Toque de recolher é a proibição de circular nas ruas, em geral, adotada sob condições excepciona­is (como estado de sítio) e por algumas horas do dia, quase sempre à noite. Também tem sido imposto em favelas cariocas pelo crime organizado.

O uso inflaciona­do de ‘quarentena’ pode ser um problema, pela possibilid­ade de provocar malentendi­dos quando uma comunicaçã­o precisa é vital

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Centro Cultural São Paulo, na Liberdade, fechado
Legenda5 Centro Cultural São Paulo, na Liberdade, fechado
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À esq., largo da Batata, em Pinheiros; acima, arredores do parque Buenos Aires, em Higienópol­is

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