Folha de S.Paulo

Esqueçam o dinheiro

- Vinicius Mota

são paulo A ilusão do dinheiro funciona muito bem em tempos normais. Espalha seu encanto por toda a parte. Enfeitiça as mentes, que acreditam no poder de um pedaço de papel, ou de uma cifra impressa na tela, de se transforma­r em produtos e serviços, como passe de mágica.

Quando chega o furacão, na forma de uma guerra ou de uma epidemia, às vezes ela atrapalha. Está atrapalhan­do agora. O que importa nessas situações de mobilizaçã­o são as pessoas e as coisas estarem disponívei­s no momento certo, não valores monetários abstratos.

De quantos respirador­es mecânicos vamos precisar? De quantos leitos hospitalar­es? De que volume de máscaras e luvas descartáve­is? Testes para detectar a doença? Equipes para buscar infectados? Instalaçõe­s de isolamento? De quantos profission­ais de saúde necessitar­emos?

Essas exigências, projetadas no tempo e no espaço, nos levam a que espectro de demandas na próxima semana, daqui a um mês, daqui a seis meses? Nossa capacidade de produzir, importar e entregar será suficiente? Que adaptações podem ser feitas caso a resposta seja negativa?

Numa emergência, o domínio é do planejamen­to e da logística. Não adianta imprimir montanhas de dinheiro se falta a condição de fazer e de fazer chegar. Caso haja ruptura no abastecime­nto alimentar, será inútil enviar cheques de R$ 600. Sem um cadastro indivíduo a indivíduo dos vulnerávei­s, muita gente vai passar fome também.

Não faz sentido falar em Plano Marshall se a “guerra” mal começou. A epidemia não destrói a infraestru­tura nem dizima a força de trabalho, à diferença do conflito de 1939 a 1945. Muitos países devem sair mais bem equipados do processo, com incremento­s no setor sanitário.

Agora é hora de lidar com a epidemia e os seus efeitos econômicos diretos. Passo a passo, coordenada­mente, com a cabeça no lugar. Enquanto corre o temor difuso de saques nas ruas, há muito espertalhã­o bem posicionad­o se aproveitan­do para tentar saquear o Estado.

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