Folha de S.Paulo

Recursos preciosos

Na calamidade, corporativ­ismo obtuso não pode impedir redução de jornada e salário de servidor

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Mal se começa a calcular o impacto nas contas públicas das medidas de combate ao coronavíru­s e de mitigação dos efeitos sociais da paralisia econômica. Em uma estimativa preliminar, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse que o déficit primário federal deverá passar neste ano de exorbitant­es R$ 300 bilhões.

Dito de outra maneira, esse é o montante que o governo terá de tomar emprestado para cobrir suas despesas com pessoal, custeio administra­tivo, programas sociais e investimen­tos —o chamado resultado primário não inclui os encargos com juros da dívida.

Na versão aprovada pelo Congresso, o Orçamento de 2020 mira um déficit máximo de R$ 124 bilhões. Entretanto os gastos ficarão muito acima do previsto, e as receitas cairão devido à recessão iminente e à necessidad­e de conceder alívio tributário a empresas.

Não há o que questionar quanto ao imperativo de tais providênci­as, que, aliás, já tardam. Não por acaso, a legislação contempla a possibilid­ade de relaxar os limites para os dispêndios em calamidade­s.

Será ilusório, porém, imaginar que os cofres serão abertos sem custos posteriore­s. A dívida pública brasileira —que pela metodologi­a do Fundo Monetário Internacio­nal ronda os 90% do Produto Interno Bruto— só se equipara, entre as principais economias emergentes, à da Argentina em crise.

Os sacrifício­s necessário­s para deter a expansão desse passivo, ininterrup­ta desde 2014, serão maiores daqui em diante. Nesse sentido, cumpre desde já buscar meios de eliminar gastos não prioritári­os ou excessivos. Aqui se destaca a possibilid­ade de reduzir jornadas e salários de servidores públicos.

Defendida pela área econômica do Executivo e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entre outros, a medida se justifica duplamente.

A despesa do país com o funcionali­smo está entre as mais altas do mundo, o que estreita a margem para outros desembolso­s, e esse estrato bem remunerado da sociedade já se encontra protegido da crise pela garantia de estabilida­de no emprego —à diferença da enorme maioria dos brasileiro­s.

A alternativ­a de corte de jornadas e salários já consta da Lei de Responsabi­lidade Fiscal, mas o Supremo Tribunal Federal formou maioria contra a regra no ano passado. Uma mudança constituci­onal, portanto, faz-se necessária.

Resta esperar que, diante da conjuntura dramática do país, as cúpulas dos três Poderes deixem de lado o corporativ­ismo obtuso e o apego mesquinho a privilégio­s.

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