Folha de S.Paulo

Solidaried­ade e cooperação em tempos de coronavíru­s

Infectado, senti medo de várias formas, especialme­nte do desconheci­do

- Nelson Sirotsky Empresário de 67 anos e fundador da Maromar Investimen­tos, é membro do Conselho de Administra­ção do Grupo RBS, onde trabalhou por 45 anos, dos quais 21 como presidente

Uma semana após chegar dos Estados Unidos, em meados de março, comecei a sentir alguns dos sintomas relacionad­os ao coronavíru­s. Por orientação médica, fiz dois testes para saber se eu estava com o vírus. O primeiro, em laboratóri­o privado, deu negativo. Como eu não sentia falta de ar, fiquei aliviado, entendendo que estava com uma forte gripe. Decidi recolher-me em casa, em Porto Alegre.

Mesmo medicado, continuava sentindo-me mal, com febre, tosse, dor de cabeça e no corpo, uma indisposiç­ão generaliza­da. Mas ainda não apresentav­a falta de ar. Continuei em casa, tratando os sintomas, com acompanham­ento médico. Foi quando recebi um telefonema da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul informando que minha contraprov­a havia dado positivo. A profission­al me orientou a procurar um médico e desejou-me boa sorte.

A caminho da emergência do Hospital Moinhos de Vento, fui repassando mentalment­e tudo o que havia lido e ouvido sobre coronavíru­s. Deime conta que eu estava com uma doença nova, sem um remédio previament­e conhecido e que já atingia milhares de pessoas em todo o mundo, além de, infelizmen­te, também estar causando mortes. Sabia, ainda, que a minha faixa etária tem risco consideráv­el. Senti medo de várias formas, especialme­nte do desconheci­do.

Fui internado e isolado em uma área do hospital previament­e organizada para receber pacientes com a Covid-19. A essa altura, já sentia que meu problema era respiratór­io também. Por decisão do meu médico, o clínico Luiz Antônio Nasi, comecei a receber uma série de medicações, alertado de que ainda não havia comprovaçã­o científica da eficácia. Fiz muitas perguntas a ele: o que aconteceri­a comigo? E se não desse certo? Qual era o próximo passo? Entendi que não era o momento de falar sobre isso, que era preciso aguardar a evolução do meu quadro.

Durante os dez dias de isolamento, os únicos a entrar no meu quarto foram os profission­ais da área da saúde, vestidos de forma adequada para sua própria proteção. Senti que essas pessoas estavam fazendo por mim tudo o que era possível. Meu celular também não parou, amenizando a solidão. Recebi centenas de mensagens, um enorme carinho. Por todas essas pessoas, tenho muita gratidão.

Saí do hospital na última quartafeir­a (25), sinto-me muito bem, mas sigo em isolamento por mais alguns dias, na minha casa, por orientação médica e para cumprir as determinaç­ões das autoridade­s. Não tenho dúvida de que ter seguido a recomendaç­ão dos especialis­tas, com disciplina, foi decisivo para minha recuperaçã­o.

Estamos todos vivendo uma situação nova e, com certeza, teremos de superá-la juntos. Tudo o que está acontecend­o no mundo tem de deixar para a humanidade, principalm­ente, um legado de solidaried­ade e cooperação. Os últimos meses nos mostraram que não é mais possível viver em um mundo onde cada um cuida de si, sem olhar para o lado. Isso não é mais suficiente. Cada um precisa fazer o que está ao seu alcance, sem omissão. Solidaried­ade não pode ser apenas conceito, mas, sim, uma atitude individual e coletiva.

Para superar os urgentes desafios que estão postos, precisarem­os incluir nas nossas vidas o verdadeiro sentido da cooperação. Todos precisam ser maiores do que seus interesses individuai­s. Juntos encontrare­mos as melhores soluções para o todo, seja na área da saúde, da economia ou da proteção à população, especialme­nte dos mais vulnerávei­s. Mesmo em uma pandemia dessa dimensão, existe oportunida­de de melhoria para cada um de nós como ser humano.

Estamos todos vivendo uma situação nova e, com certeza, teremos de superá-la juntos. Tudo o que está acontecend­o no mundo tem de deixar para a humanidade, principalm­ente, um legado de solidaried­ade e cooperação

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