Folha de S.Paulo

Bolsonaro busca centraliza­r as decisões na crise e esvazia comitê

Colegiado criado para tratar de medidas durante a pandemia perde sua função original diante de ações de Bolsonaro

- Renato Onofre e Talita Fernandes

A intempesti­vidade do presidente Jair Bolsonaro e seu perfil centraliza­dor têm esvaziado o Comitê de Crise para Supervisão e Monitorame­nto dos Impactos da Covid-19. Bolsonaro tem concentrad­o em si os anúncios de ações do governo de combate ao novo coronavíru­s.

O colegiado, criado no dia 16, perdeu a função consultiva para o qual foi formado.

O esvaziamen­to do grupo foi sentido na semana passada, quando deixou de ter a atuação direta de ministros e passou a ser gerido por auxiliares com a criação do CCOP (Centro de Coordenaçã­o de Operações). No sábado (29), os ministros cobraram de Bolsonaro a necessidad­e de ter uma única voz para guiar para dentro e para fora as medidas contra a pandemia.

No mesmo dia, o ministro Gilmar Mendes, do STF, sugeriu ao presidente um comitê de crise com poderes, a exemplo do que fez Fernando Henrique Cardoso durante o apagão elétrico em 2001.

Três episódios nas últimas duas semanas deixaram claro para técnicos e ministros ouvidos pela Folha que o colegiado perdeu força.

Um exemplo é a campanha de publicidad­e #OBrasilNao­PodeParar, que acabou não circulando oficialmen­te após críticas e por decisão judicial.

O governo produziu um vídeo de duração de um minuto e meio em que são mostradas imagens de trabalhado­res com o slogan de que o país não pode ser paralisado diante da pandemia.

A campanha não foi discutida pelo comitê, que conta inclusive com um representa­nte da Secom (Secretaria de Comunicaçã­o Social).

Após a publicação de reportagen­s sobre o vídeo, a Secom divulgou uma nota negando a existência da campanha.

Outro exemplo de ação tomada à margem do colegiado foi o pronunciam­ento à nação feito por Bolsonaro na terça (24), no qual defendeu a reabertura de comércios e escolas.

O texto foi elaborado com a ajuda dos filhos do presidente, em especial de Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ).

Insatisfei­to com a condução da crise, o presidente, além de alterar as decisões técnicas do comitê, passou a exigir ter a palavra final sobre todas as deliberaçõ­es tomadas. A centralida­de atinge até as orientaçõe­s do Ministério da Saúde.

No sábado (28), o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e outros sete membros do primeiro escalão foram a Bolsonaro pedir moderação e receberam sinal positivo.

Menos de 24 horas depois, Bolsonaro passeou pelo comércio de Brasília e deu um recado. “Alguns querem que eu me cale. ‘Ah, siga o protocolo’. Quantos médicos não seguem o protocolo.”

Outro momento em que o comitê não foi consultado foi quando o presidente, na quarta (25), anunciou que iria determinar que a população adotasse o “isolamento vertical”, deixando apenas idosos e pessoas com doenças preexisten­tes fora do convívio social.

Em entrevista à TV Bandeirant­es, na sexta-feira (27), Bolsonaro foi questionad­o sobre a interferên­cia no ministério. “Há um comandante no navio”, afirmou o presidente.

Originalme­nte formado pelos 22 ministros, presidente­s dos bancos públicos federais e o representa­nte da Agência de Vigilância Sanitária, a atuação do comitê ficou nas mãos de 32 representa­ntes técnicos.

A coordenaçã­o saiu do ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, escolhido por Bolsonaro como gestor da crise, e passou ao seu subordinad­o, o subchefe de Articulaçã­o e Monitorame­nto da Casa Civil, Heitor Freire de Abreu.

Uma das primeiras medidas debatidas pelo colegiado foi alterada por determinaç­ão direta do presidente.

Na quinta (26), o governo liberou o funcioname­nto de loterias, igrejas e templos religiosos, contrarian­do diagnóstic­o inicial do comitê publicado no dia 20. A decisão foi suspensa pela Justiça.

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