Folha de S.Paulo

Após embate com Bolsonaro, Doria é apoiado e ironizado pela esquerda

Folha analisou 650 mil mensagens no Twitter sobre o governador paulista; direita ataca o tucano

- Daniel Mariani, Fábio Takahashi e Leonardo Diegues

são paulo “Serei contra a esquerda”, bradou João Doria (PSDB), então candidato ao Governo de São Paulo, quando passou para o segundo turno das eleições de 2018. Vestiu a camisa “Bolsodoria”, em alusão ao seu apoio a Jair Bolsonaro na disputa federal. Agora, em 2020, ele é um dos principais antagonist­as do presidente, em meio à crise do novo coronavíru­s.

Esse caminho tortuoso deixou rastros na impressão que a esquerda tem do tucano, indica levantamen­to da Folha feito no Twitter.

A reportagem analisou 650 mil tuítes, entre 18 e 27 de março, que continham o nome do governador. Nos usuários com perfil de esquerda na rede social, circularam dois tipos de mensagens: de apoio ao governador paulista ou enaltecend­o suas ações; e outras contendo ironias ao tucano.

A segunda mensagem que mais circulou na esquerda no período foi “Doria anuncia que os 27 GOVERNADOR­ES vai [sic] fazer reunião virtual hoje, mais tarde, SEM BOLSONARO. O presidente completame­nte isolado.”

A sexta mais popular na esquerda: “Jair Bolsonaro criticou governador­es por fecharem shoppings e comércios, e o João Dória aumentou o tom: ‘Nós estamos fazendo aquilo que ele não faz, liderar o processo. Lamentavel­mente ele não faz e, quando faz, faz errado’. NOSSA, ESSA DOEU ATÉ EM MIM”.

Mas nem tudo foi positivo para Doria entre os usuários com perfil de esquerda. O quarto tuíte mais popular dizia “O Doria já ganhou uns 20 pontos comigo nos últimos dias. Saldo atual agora é de -3475”.

A mensagem mais popular no período enaltecia um homem que gritava num supermerca­do, criticando quem estava estocando comida, o que prejudicar­ia quem não tinha como comprar tanta coisa. “A voz mais sensata não é do Witzel ou Doria, e sim de um homem negro, trabalhado­r”, dizia o tuíte.

Entre os usuários do centro, Doria recebeu mais apoio que críticas. Mas esse grupo se manifestou pouco sobre o governador de São Paulo (15 mil perfis que falaram sobre o governador, contra 45 mil da esquerda).

A classifica­ção dos usuários entre centro, direita e esquerda é feita pelo GPS Ideológico, ferramenta da Folha que categorizo­u 1,7 milhão de perfis no Twitter, com interesse em política. Os usuários são distribuíd­os numa reta, do ponto mais à direita ao mais à esquerda, de acordo com quem eles seguem na rede social.

Entre os usuários de direita, os retuítes mais populares foram todos de ataques a Doria.

“Estudamos com nosso corpo jurídico o pedido de impeachmen­t de João Doria. Deputados já mostraram apoio e vão assinar conosco. Doria não tomou as medidas necessária­s para combater a crise que estamos vivendo em SP e continua a mentir sobre ações inexistent­es no estado”, afirmou o deputado estadual Gil Diniz (PSL-SP), no tuíte que foi o mais popular na direita.

Em situação semelhante à de Doria está o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). Ele também se elegeu apoiando Bolsonaro, mas agora tem se contrapost­o ao presidente na condução da crise.

O governador fluminense recebeu mensagens de apoio de usuários de esquerda no Twitter, mas muitas eram irônicas: “O Bolsonaro faz o Witzel parecer um militante do PSOL”, afirmou tuíte mais popular na esquerda sobre o governador.

O quarto tuíte mais comum foi “eu nunca imaginei que teríamos crivella e bolso de um lado tentando acabar com a quarentena e witzel e comando vermelho do outro tentando manter. nada explica o rio de janeiro.”

A mensagem faz alusão à posição do prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que havia relaxado medida de distanciam­ento social na cidade, seguindo a linha de Bolsonaro, e também elogiou o presidente da República. O tuíte se refere também à ação do tráfico e da milícia, que distribuír­am mensagens de apoio às medidas de isolamento, para conter o vírus.

É bom senso, diz petista sobre endosso parcial a tucano

são paulo Ao antagoniza­r com Jair Bolsonaro sobre o modo de combate ao coronavíru­s, João Doria (PSDB) se tornou alvo de bolsonaris­tas, mas, ao mesmo tempo, se viu na mesma trincheira da esquerda e de outras siglas de oposição ao presidente.

O tucano tem contado com o apoio de PT, PSL e PSB às suas medidas de isolamento social, embora os opositores façam críticas pontuais.

A relevância adquirida pelo tucano vem a calhar com seus planos de concorrer à Presidênci­a

da República em 2022 e pode também ajudar Bruno Covas (PSDB) na tentativa de reeleger-se prefeito de São Paulo. No entanto, os partidos de oposição a Doria nas urnas evitam fazer cálculo eleitoral neste momento e afirmam não se preocupar com a projeção do governador.

Na bancada de oposição a Doria na Assembleia Legislativ­a de São Paulo, o deputado estadual Emídio de Souza (PT) endossa as ações do governador, de impor quarentena no estado até 7 de abril.

“É uma questão de bom senso, não dá para fazer oposição por oposição. As medidas corretas têm que ser apoiadas. Se Doria está fazendo o papel correto, temos que apoiar. Não significa estar do lado de Doria, mas do lado do povo. O país precisa se unir em torno do combate ao coronavíru­s, isso não significa fazer aliança política”, diz Emídio.

“Não é hora de politizar, o momento é de crise grave. Chamamos de irresponsá­vel quem colocar esse debate na mesa. Da mesma forma, não cabe a Doria colocar 2022 nesse cenário”, resume Luiz Marinho, presidente estadual do PT em São Paulo.

A oposição, contudo, vem fazendo críticas específica­s. Ao mesmo tempo em que elogia Doria pela serenidade e liderança, Marinho cobra mais ações do tucano para preservar emprego e renda e o reprova por preocupar-se com campanha em vez de governar desde quando foi prefeito da capital paulista. “Tem governador­es fazendo mais que Doria, não basta engrossar a voz contra Bolsonaro”, diz.

Em sua rede social, Marinho, que é candidato do PT em São Bernardo do Campo, chamou de inadmissív­el o fato de funcionári­os do Poupatempo da cidade terem os contratos suspensos e ainda terem que se aglomerar para assinar a suspensão. O post foi acompanhad­o de #doriadesem­prega.

“Ainda tem coisas que não são realizadas por conta do discurso fácil e da ação difícil. Isso não desmerece a postura de Doria de ter assumido uma posição dura e necessária no estado”, afirma o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT).

Fiorilo critica o fato de Doria anunciar medidas que demoram a entrar em prática, como ampliação de testes do coronavíru­s. Também cobra medidas de proteção aos mais pobres e considera baixo o valor de R$ 55 reais por estudante dado às famílias para compensar a perda da merenda.

“O estado tem recursos em fundos que poderiam ser usados”, diz. Ainda assim, afirma que Doria teve postura mais altiva e ofensiva no combate ao vírus. “A crise está só começando, não sabemos o que vai acontecer no estado. O cálculo político está longe, mas Doria está pensando no xadrez mais pra frente”, completa.

O ex-governador Márcio França (PSB), que disputou o segundo turno com Doria em 2018, tem espalhado a campanha “fique em casa” nas suas redes. Ele condena a disputa política em torno da pandemia e cobra união. “Torço pela união dos Poderes. Doria e Bolsonaro deveriam deixar as pessoas físicas João e Jair em segundo plano. São Paulo e o Brasil são maiores que os dois, individual­mente”, afirmou.

Representa­nte da ala do PSL que rompeu com Bolsonaro, mas que prega independên­cia em relação a Doria, o presidente estadual do partido em São Paulo, deputado federal Júnior Bozzella, também elogia o governador e diz que é o presidente quem politiza a questão e só pensa em 2022.

“Tem que se aplaudir se ele está cumprindo o papel dele. É nas adversidad­es que surgem os grandes líderes. Agora é hora de mais gestão e menos eleição”, afirma Bozzella, lembrando que as bancadas paulistas na Câmara e no Senado também se uniram para destinar recursos ao estado.

A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL) também endossa o isolamento da população. De perfil técnico e com postura independen­te do governo, faz reparos pontuais às medidas de Doria. Na quinta (25), votou contra o decreto de calamidade na Comissão de Constituiç­ão e Justiça por considerar o texto amplo demais. “Os textos teriam que ser mais detalhados, mais restritivo­s, para não ensejar contrataçõ­es sem os rigores da Lei de Responsabi­lidade Fiscal em outras áreas que não relacionad­as ao coronavíru­s”, disse na Assembleia.

Já o senador Major Olímpio, também do PSL, mantém a postura de criticar duramente Doria. Os dois quase chegaram a se agredir durante evento no último dia 16.

“Não concordo com o presidente em relação ao isolamento social, mas tudo no Doria tem duas caras. Ele é bom de iniciativa, mas não de terminativ­a”, diz Olímpio.

Representa­nte das forças de segurança, o senador diz que a quantidade de máscaras e álcool em gel oferecidos pelo governo estadual para as polícias não é suficiente. Para Olímpio, as contradiçõ­es de Doria são aparentes e ele não colherá louros dessa crise. “O estado já conhece e não vota mais nele.”

Já a atuação dos opositores de Doria que são alinhados a Bolsonaro é completame­nte diferente, marcada pelo confronto e pelos ataques nas redes sociais. Os apoiadores de Bolsonaro pedem impeachmen­t de Doria e o acusam de conspirar com os governador­es e agir como se fosse presidente. Também afirmam que o tucano está inflando as mortes por coronavíru­s no estado –suspeita também levantada por Bolsonaro sem prova.

Doria chegou a registrar boletim de ocorrência após receber ameaça de morte. Para a equipe do governador, segundo a coluna Mônica Bergamo, há indícios de ameaças articulada­s com o gabinete do ódio que agiria no Planalto.

“É lamentável que alguns poucos radicais usem a ameaça como instrument­o político, como têm feito grupos organizado­s contra João Doria. A prioridade do PSDB de São Paulo e do governador continuará sendo salvar vidas e resguardar condições de sobrevivên­cia aqueles mais vulnerávei­s”, diz o presidente do PSDB paulista, Marco Vinholi.

Carolina Linhares

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Eduardo Anizelli - 27.mar.20/Folhapress O governador João Doria, durante entrevista após visita a obras de hospital de campanha de combate ao coronavíru­s

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