Folha de S.Paulo

O presidente mandou o Brasil morrer

É até difícil interpreta­r o que Bolsonaro tinha em mente quando foi à TV

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra) dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner Mendes | qui. Fern

Parecia que tinha dado certo. Na segunda-feira passada, Bolsonaro deu sinais de que passaria a apoiar o esforço dos governador­es contra a pandemia. Houve alguma liberação de recursos, que não foi grande, mas foi um bom começo. Parecia que alguém tinha conseguido convencer o presidente da gravidade da situação. Mas é o Jair.

Na terça-feira, o presidente da República foi à TV para matar gente. Voltou a dizer que a Covid-19 era só uma “gripezinha” e mandou a população voltar às ruas. Mentiu como sempre e como nunca. Mandou para a morte o grande número de idosos que ainda acredita nele. Nos dias seguintes, obrigou o ministro da Saúde, que vinha fazendo um bom trabalho, a se tornar cúmplice de seus crimes, para que nunca pudesse denunciálo­s. Mandetta voltou atrás no pronunciam­ento de sábado, mas não se sabe o tamanho do dano que já tinha sido feito. Muita gente voltou às ruas.

A essa altura, é até difícil interpreta­r o que o presidente tinha em mente quando foi à TV para matar gente. Talvez tenha sido só sociopatia: talvez ele simplesmen­te não compreenda que a vida dos outros mereça consideraç­ão. Talvez tenha se inspirado em Trump, que vem discursand­o a favor da volta ao trabalho —sem data marcada, após estudos, e com a manutenção do isolamento por enquanto. Note-se que até o ideólogo Steve Bannon defende um isolamento forte que permita uma saída rápida da crise. Talvez os brasileiro­s morram porque o presidente da República assiste a vídeos ainda mais toscos que os de Bannon no YouTube.

Mas também é possível que Jair tenha tentando um golpe de jiu-jitsu muito além de sua faixa. Pode ter criticado o isolamento enquanto torce para que ele dê certo. Se der, o número de casos será pequeno e Bolsonaro poderá mentir que o risco nunca foi tudo isso, não precisava ter sacrificad­o a economia, ele bem que avisou.

Se é isso que Bolsonaro tem em mente, está jogando errado, porque todo dia ele diminui as chances de o isolamento dar certo. Seus adeptos convocam carreatas. O governador de Santa Catarina, do expartido de Bolsonaro, vai encerrar o isolamento. Ao contrário do governo Trump, Bolsonaro mal começou a gastar dinheiro para combater a crise, e sem dinheiro as pessoas vão acabar tendo mesmo que arriscar a vida indo trabalhar.

Daí em diante, cada novo cadáver vai para a conta do Jair. E tem que ir mesmo. Foi ele quem matou essas pessoas na terçafeira, 24 de março de 2020, quando foi à TV para matar gente.

Resta ao Brasil apoiar quem está do seu lado: os governador­es e prefeitos que promovem o isolamento enquanto novos leitos são criados, mais material médico é comprado e a economia é reorganiza­da para sobreviver à crise. O Congresso, que aprovou a renda mínima de R$ 600 (não, não foi o Jair). A imprensa brasileira, que vive um grande momento. E, sobretudo, nossos cientistas e profission­ais que estão na linha de frente e são nossa maior esperança.

Faça a lista de quem já foi atacado por Bolsonaro: são os que estão salvando vidas brasileira­s. Torça para que eles tenham sucesso, Jair, dê-lhes todo o dinheiro que você tem. Não deveríamos estar falando de manobras políticas em uma hora dessas. Se você nos obrigar a falar, falaremos com raiva, e, desta vez, todos juntos.

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