Folha de S.Paulo

Pandemia leva Judiciário a discutir videoconfe­rências

Tribunal de SP faz sessão de julgamento remota e transmite no YouTube

- José Marques, Wálter Nunes e Renata Galf

SãoPaulo Oavançodon­ovo coronavíru­s levou tribunais e órgãos da Justiça a discutirem soluções para ampliar o uso de videoconfe­rência sem audiências e sessões de julgamento.

Até o início da pandemia, o uso da ferramenta era comum em tribunais como o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), quando até os juízes podiam participar de sessões a distância. Mesmo julgamento­s da Lava Jato já foram feitos nesse molde.

Na maioria das cortes, porém, a videoconfe­rência é mais usada por advogados que acham necessário fazer defesa oral de seus clientes para magistrado­s, mesmo remotament­e ou em audiências de custódia que analisam a necessidad­e de uma prisão.

Neste mês, os cinco tribunais federais instituíra­m regras sobre como os trabalhos seriam feitos em meio à pandemia, e o TRF-4 foi o que mais abriu espaço para o uso da teleconfer­ência para evitar cancelar os trabalhos.

Houve até a manutenção de uma sessão de julgamento da Lava Jato pela juíza Claudia Cristofani, após um advogado pedir o adiamento para evitar grave risco de contágio pelo coronavíru­s, porque ela entendia que ele podia fazer a defesa por meio da videoconfe­rência.

No entanto, na quinta-feira (19), o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) suspendeu os prazos de processos e as sessões de tribunais em todo o país e instituiu um plantão extraordin­ário para a Justiça até o fim de abril —nesse período, só serão julgados casos urgentes.

As medidas doCNJnã ovalem para a Justiça Eleitoral, mas foi justamente lá onde houve um evento considerad­o inovador. A sessão de julgamento­s do TRESP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), na última terça (24), aconteceu 100% por videoconfe­rência.

Juízes, advogados, procurador eleitoral e duas servidoras da corte participar­am de casa da sessão remota por meio de um aplicativo de reunião online.

Os julgamento­s foram transmitid­os pelo canal oficial do TRE- SP no Y ou Tube. Mais de 80 pessoas acompanhar­am a audiênciaa­o vivo. Segundo espectador­es, aquela era uma sessão histórica pelo ineditismo.

“Foi uma excelente forma de realizara sessão de julgamento neste momento e não interrompe­ra atividade do tribunal. O áudio e ovídeo foram simultâneo­s e em tempo real, garantindo o debate e participaç­ão de todos. Inclusive advogados e o procurador eleitoral sustentara­m oralmente de suas casas”, diz a advogada Danyelle Galvão, cuja dissertaçã­o de mestrado tratou de videoconfe­rência na Justiça.

Para ela, a solução adotada foi amais per todo ideal. “Ser transmitid­o possibilit­ou a publicidad­e do julgamento. A partir do momento em que você possibilit­a que as partes apresentem seus argumentos oralmente e os votos possam ser acompanhad­os pelas partes e por terceiros, é como se as pessoas estivessem na plateia do tribunal.”

O advogado Ricardo Penteado, que atuou em campanhas presidenci­ais, diz que a experiênci­a foi boa, mas deve ser restrita ao momento de crise.

“Criar esse sistema em massa acaba exigindo alguns recursos tecnológic­os que se pode imaginar que nem todos advogados tenham, como uma conexão razoável pela internet”, diz Penteado.

“As sessões presenciai­s públicas, que é uma regra, a rigor não foram acessíveis a qualquer pessoa do povo, porque é preciso um equipament­o para poder acompanhar. Então, eu não concordari­a coma continuaçã­o desse sistema, uma vez superados os problemas com o coronavíru­s.”

A discussão sobre a possibilid­ade de aumentar o uso de videoconfe­rência após o período de plantão judicial tem sido forte entre juízes, advogados e procurador­es, já que não se sabe quanto tempo a pandemia vai durar.

“Cada Justiça tem uma realidade em relação a isso e nem sempre vai ser possível fazer audiência por videoconfe­rência ”, diz Fernando Mendes, presidente da Aj uf e(Associ ação dos Juízes Federais do Brasil).

Ele lembra que, apesar disso, essa pode ser uma solução para audiências urgentes, como em casos de réus presos, que estão “quase impossívei­s pela dificuldad­e de locomoção e restrição”.

Coordenado­ra da Lava Jato no Ministério Público Federal em São Paulo, a procurador­a Janice Ascari tem levantado o debate.

“O TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) terá que bolar uma solução ou desenvolve­r algum mecanismo para a realização das sessões de forma remota, com as atuais restrições de locomoção de todos”, diz Janice.

“O tribunal tem feito há muito tempo, por videoconfe­rência, sustentaçõ­es orais de advogados que estão em outras cidades. O advogado vai até a Justiça Federal e fala de lá.”

Caso as restrições de locomoção e contato continuem, ump roble maéaneces sida dede o advogado ou apessoa que deseje participar de uma sessão ter de ira umespaço da Justiça Federal para participar da videoconfe­rência. Segundo especialis­tas, essa é uma questão que as cortes precisam regulament­ar internamen­te.

Criminalis­tas consultado­s pela reportagem defendem o uso de videoconfe­rência, mas para situações emergencia­is.

“Em matérias urgentes, com réu preso, por exemplo, senão vai ter sessão e o habeas corpus ficar um mês sem ser levado a julgamento, prejudica a defesa. Se a videoconfe­rência fora solução para mitigar esse problema, me parece razoável”, diz Fábio Tofic Simantob.

O presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito a Defesa ), o advogado Hugo Leonardo, achaque a possibilid­ade de usara videoconfe­rência tem que partir das partes. “Isso é um direito, jamais um tribunal pode exigir que isso seja feito dessa forma”, afirma.

Já na Justiça do Trabalho, desde o dia 25 de março, o Conselho Superior da Justiçado Trabalho passou a recomendar que os juízes busquem utilizar videoconfe­rências e aplicativo­s para conciliaçã­o e mediação de conflitos envolvendo o coronavíru­s.

De acordo com Noemia Porto, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho), a generaliza­ção do uso da ferramenta digital só está ocorrendo par atentar atendera uma situação de excepciona­lidade .“É preciso lembrar que a inclusão digital não é uniforme em todo o país, ainda mais quando se trata dos trabalhado­res”, afirmou.

Apesar de não haver uma regulament­ação para uso de videoconfe­rências na Justiça do Trabalho, em audiências de conciliaçã­o as partes do processo já poderiam solicitar seu uso por meio do aplicativo, o JTe. Segundo Porto, as conciliaçõ­es feitas por meios virtuais eram exceção.

O juiz Ronaldo Callado, diretor da Anamatra, diz que há juízes que aceitam ouvir testemunha­s no exterior ou em outros estados por videoconfe­rência, mas nãoépossív­elre alizara audiência inteira deforma virtual.

Callado diz que para a audiência remota ser válida é preciso ser regulament­ada, o que ainda não foi feito. Ele diz que os TRTs não estão preparados tecnologic­amente para isso.

Além disso, estender o uso desse tipo de ferramenta para além das audiências de conciliaçã­o é visto com ressalvas pelos advogados trabalhist­as.

Para Caroline Marchi, tomar depoimento­s de testemunha­s fora do ambiente do tribunal pode ser prejudicia­l ao processo. “Não sei quanto macula o próprio depoimento”, disse.

Para Fabio Medeiros, seria convenient­e pensar em audiências virtuais, mas é preciso se certificar de que os advogados têm infraestru­tura suficiente.

“Criar esse sistema em massa acaba exigindo alguns recursos tecnológic­os que se pode imaginar que nem todos advogados tenham, como uma conexão razoável pela internet

Ricardo Penteado

advogado

Cada Justiça tem uma realidade em relação a isso e nem sempre vai ser possível fazer audiência por videoconfe­rência

Fernando Mendes

presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil)

A partir do momento em que você possibilit­a que as partes apresentem seus argumentos oralmente e os votos possam ser acompanhad­os pelas partes e por terceiros, é como se as pessoas estivessem na plateia do tribunal

Danyelle Galvão

advogada

 ?? Reprodução ?? Sessão do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) por videoconfe­rência
Reprodução Sessão do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo) por videoconfe­rência

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