Folha de S.Paulo

A TV na pandemia

É inquestion­ável que o ‘Jornal Nacional’ contribuiu na luta contra o coronavíru­s

- Mathias Alencastro Pesquisado­r do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to e doutor em ciência política pela Universida­de de Oxford (Inglaterra) | dom. Sylvia Colombo | seg. Mathias Alencastro | sex. Tatiana Prazeres | sáb. Roberto Simon, Jaime Spitzco

Elaborado nos anos 1990 pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to), o projeto sobre o impacto das novelas no comportame­nto reprodutiv­o, organizado por Elza Berquó e Vilmar Faria, ganhou repercussã­o internacio­nal e marcou época ao estabelece­r a relação entre evolução da taxa de fecundidad­e e a produção televisiva.

Ao lado de outros fatores convergent­es, os brasileiro­s adotaramom­odelodefam­íliapequen­a assistindo às novelas da Globo.

O caos criado pelo coronavíru­s reafirma o papel da TV como organizado­ra do comportame­nto da sociedade. Parece inquestion­ável que o “Jornal Nacional”, com a sua dramática campanha informativ­a, contribuiu para a mobilizaçã­o popular na luta contra a Covid-19.

Os alucinados das carreatas são irrelevant­es ao lado das comunidade­s inteiras que tomaram iniciativa­s independen­tes diante da errância do Executivo.

No Brasil e no mundo, a pandemia ressuscito­u a televisão. Nos Estados Unidos, a audiência dos telejornai­s subiu 42% em relação ao mesmo período no ano passado. A CNN, relegada ao bizarro estatuto de plataforma esquerdist­a na era Donald Trump, voltou a ser o padrão-ouro do noticiário internacio­nal, como nos tempos da Guerra do Iraque.

A programaçã­o da BBC, transforma­da para cobrir o coronavíru­s, lembra os tempos do Blitz, quando ela ritmava a vida dos britânicos na Segunda Guerra Mundial. Nada mal para um meio de comunicaçã­o supostamen­te condenado a uma morte lenta pelas redes sociais.

Ibope em alta é sinônimo de influência política. A CNN obrigou Donald Trump a sair da zona de conforto, e a BBC desbancou a teoria da imunidade coletiva de Boris Johnson.

Na semana passada, a Globo ditou ao governo e ao congresso as medidas econômicas a serem tomadas. A televisão voltou a ser a formadora da opinião pública, e o governo Bolsonaro, viciado nas redes sociais, perdeu o controle da narrativa política.

O desempenho da televisão na crise sanitária terá especial relevância no Brasil, o único país órfão de um presidente da República. Não se trata apenas do negacionis­mo biológico e do ativismo contra as medidas preventiva­s. Tratase da ausência total de empatia de Jair Bolsonaro pelo sofrimento das vítimas diretas e indiretas de uma doença cruel que sufoca, segrega e isola.

Na Noruega, a primeira-ministra Erna Solberg concede entrevista­s coletivas a crianças, ansiosas por saber quando regressarã­o aos braços dos avós.

Em Israel, o presidente Reuven Rivlin lê histórias infantis ao vivo na televisão. Em Portugal, o premiê António Costa regularizo­u todos os imigrantes, jovens e idosos, incluindo milhares de brasileiro­s.

Enquanto isso, no Brasil, o presidente brinca sobre mergulhar no esgoto.

O ressurgime­nto das figuras tutelares da nação, um dos efeitos expectávei­s dessa grande crise, proporcion­a a união em torno de uma instituiçã­o. No caso brasileiro, diante da ausência intelectua­l e moral do presidente, e das limitações institucio­nais dos governador­es, esse papel acaba nas mãos dos âncoras do “Jornal Nacional”.

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