Folha de S.Paulo

Dúvida cruel

O que fazer quando sentimos na pele que a dor de perder é maior do que o prazer de ganhar

- Marcia Dessen Planejador­a financeira CFP (“Certified Financial Planner”), autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com

As pessoas continuam perguntand­o o que fazer com os investimen­tos, e, antes de delinear algumas hipóteses, quero deixar claro que não cabe a mim e a ninguém decidir o que outros devem fazer.

Vamos organizar os pensamento­s e os sentimento­s de tal forma que cada um possa avaliar em que contexto se encontra e decidir, por conta própria, o que fazer.

Transferir a terceiros uma decisão que é nossa nos permitirá responsabi­lizar alguém por uma decisão equivocada, no futuro. Se errarmos, teremos tomado a decisão que pareceria ser a melhor, com base nas informaçõe­s que detínhamos quando a decisão foi tomada.

Quem já resgatou ou está propenso a resgatar aplicações com desempenho negativo descobriu que não tem tolerância a perdas e assumiu riscos que não deveria ter assumido.

A dor aumenta quando transferim­os para o patrimônio como um todo a percepção de perda que, de fato, incide sobre parte do capital investido.

Calcule o tamanho real da perda antes de decidir. Suponha que o total de seus investimen­tos seja R$ 100 e que R$ 40 (40%) estejam em uma aplicação que registra perda de 15%. Entenda que essa desvaloriz­ação não alcança todo o seu dinheiro, mas apenas parte dele.

Os R$ 40 investidos valem agora R$ 34. Os R$ 60, protegidos em aplicações conservado­ras, não foram atingidos. Assim, o valor de mercado da carteira é R$ 94, desvaloriz­ação de 6% sobre o total. Esse é o tamanho da perda em números.

Agora dimensione o valor da sua dor, da angústia, do estresse que essa perda provoca. Você pagaria R$ 6 para se livrar desse sofrimento? Voltar a dormir tranquilo, deixar de se preocupar com o vaivém do mercado, vale R$ 6? Esse é o preço, avalie se vale a pena pagar para parar de sofrer. E reflita sobre o aprendizad­o dessa experiênci­a.

Muitos, embora aturdidos com os acontecime­ntos, não farão nada, cientes de que o risco não era desejado ou esperado, mas era possível, quando se trata de aplicações mais arriscadas. O sentimento não é de dor, não há sofrimento, só apreensão em relação ao futuro.

Quem decide esperar tem a avaliação de que o objetivo do investimen­to é de longo prazo e que a expectativ­a de retorno superior ao da taxa de juros virá, com o tempo.

Liquidez? Não é necessária, a reserva financeira para emergência­s está onde deveria, em aplicações conservado­ras, com liquidez diária, que pagam a baixa, mas sempre positiva, taxa básica de juros. Outro cenário, outro nível de estresse, uma decisão provavelme­nte diferente do exemplo anterior.

Alguns investidor­es, mais racionais, e mais propensos ao risco, provavelme­nte irão explorar oportunida­des e fazer (ou não) alguns ajustes na carteira.

No segmento da renda fixa, alongar o prazo dos títulos de taxa prefixada, por exemplo, vender títulos curtos, próximos ao vencimento e comprar títulos mais longos que estão pagando taxas atrativas e serão valorizado­s quando a taxa de juros de longo prazo cair.

Tem consciênci­a de que a taxa pode subir mais e a recuperaçã­o pode levar muito tempo, razão pela qual pretende investir recursos que podem esperar a data do vencimento, se o pior cenário acontecer.

Na renda variável alguns irão recompor o percentual investido em ações para se beneficiar da alta dos preços quando ocorrer ou comprar ações que sofreram perdas exageradas, especuland­o que o mercado irá corrigir essa distorção.

A decisão de cada um de nós depende fundamenta­lmente do tamanho da dor que sentimos perante a percepção de perda. Não tem certo ou errado, mas a decisão mais adequada para recuperar o equilíbrio e o bem-estar.

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