Folha de S.Paulo

NBA enfrenta temporada com vírus, mortes e crise chinesa

Liga americana de basquete contabiliz­a prejuízo bilionário com percalços

- Marcos Guedes

são paulo Quando saiu o resultado do exame que apontou um jogador da NBA infectado pelo novo coronavíru­s, Adam Silver, 57, sabia o que precisava ser feito. Ainda naquela noite de 11 de março, o principal dirigente da liga interrompe­u o campeonato de basquete e passou a enfrentar mais uma adversidad­e em uma temporada cheia delas.

O prejuízo seria —e está sendo— enorme, mas já não era momento de fazer contas. Diante dos riscos de transmissã­o da Covid-19, paralisar o campeonato era a única opção e deixar para (não muito) depois os cálculos sobre os danos financeiro­s e esportivos decorrente­s da suspensão.

Silver tem experiênci­a no trabalho de minimizar perdas. Antes mesmo de a temporada 2019/20 começar, ele já encarava uma crise com a China que custou centenas de milhões de dólares à liga. Entre esse conflito e a parada forçada no torneio, o basquete dos EUA ainda precisou lidar com duas mortes traumática­s.

No dia 1º de janeiro, morreu aos 77 anos o antecessor de Silver, David Stern, que assumiu a NBA em 1984 e foi seu dirigente maior por três décadas, período no qual a transformo­u em um meganegóci­o.

“Por 22 anos, eu tive cadeira cativa para observar David em ação”, afirmou o atual comissário, que era auxiliar de

Stern. “Ele era um mentor e um de meus mais caros amigos. Ele pegou a NBA quando ela estava em uma encruzilha­da e, em seus 30 anos como comissário, apresentou a moderna e global NBA.”

Menos de um mês depois, houve uma perda ainda mais chocante. Kobe Bryant, um dos grandes nomes do basquete de todos os tempos, morreu em um acidente de helicópter­o, aos 41 anos. Também não resistiram à queda as outras oito pessoas presentes na aeronave, entre elas Gianna, 13, filha do astro.

A comoção causada pela tragédia, ocorrida em 26 de janeiro, ainda se estenderá por muito tempo. Até Michael Jordan, 57, chorou como uma criança na cerimônia em tributo ao craque, a quem chamou de “irmãozinho”.

Em luto, com atletas aos prantos dentro de quadra, a NBA seguiu adiante apresentan­do jogos de alto nível. Apesar de lesões sérias em atletas importante­s, como Kevin Durant, Stephen Curry e Klay Thompson, não faltava qualidade em um torneio que se apresentav­a como o mais equilibrad­o há anos.

Eleito melhor jogador da temporada passada, Giannis Antetokoun­mpo manteve um desempenho para dar ao Milwaukee Bucks o primeiro lugar da Conferênci­a Leste. Na Oeste, com a ajuda de Anthony Davis e LeBron James, o Los Angeles Lakers ressurgiu como candidato ao título.

A renovação do talento também se mostrou de primeira linha. O armador Ja Morant, 20, surpreende­u ao já surgir conduzindo o Memphis Grizzlies em uma campanha com possibilid­ade real de classifica­ção ao mata-mata. O ala Zion Williamson, 19, depois de superar problemas físicos, conseguiu números espetacula­res no New Orleans Pelicans.

Tudo isso foi interrompi­do quando o novo coronavíru­s apareceu. Os primeiros atletas que tiveram diagnóstic­o de infecção foram Rudy Gobert, 27, e Donovan Mitchell, 23, do Utah Jazz. A lista agora tem também jogadores de Los Angeles Lakers, Philadelph­ia 76ers e Brooklyn Nets, entre eles o craque Kevin Durant, 31.

Mesmo que não houvesse atletas com testes positivos, mais cedo ou não muito mais tarde a temporada teria de ser paralisada com a expansão da pandemia. Determinou-se inicialmen­te uma pausa de um mês, mas o “hiato”, como chamou Adam Silver, será maior.

A liga está se preparando para múltiplos cenários. O mais otimista prevê a conclusão da fase de classifica­ção (cada time já jogou pouco mais de 60 partidas de um total de 82) e dos playoffs. O mais pessimista é o cancelamen­to total, sem a declaração de um campeão, algo sem precedente­s.

Seja qual for a solução, o prejuízo já é enorme. Há preocupaçã­o com funcionári­os dos ginásios, que ganham por hora trabalhada, o que levou atletas e donos de equipes a fazerem generosas doações.

Há também uma preocupaçã­o com um negócio bilionário de repente parado. Para ajudar os times, a NBA negocia a ampliação de sua linha de crédito, que passará de US$ 650 milhões (R$ 3,27 bilhões) para US$ 1,2 bilhão (R$ 6,03 bilhões). O tamanho do prejuízo só ficará mais claro quando se tiver uma ideia melhor sobre o cronograma de retorno às atividades.

As perdas se somarão às registrada­s antes do início do campeonato, quando se estabelece­u uma crise com a China, grande mercado consumidor do basquete americano.

Uma publicação no Twitter de Daryl Morey, 47, gerente-geral do Houston Rockets, acabou causando uma cara crise diplomátic­a. “Lute pela liberdade. Fique com Hong Kong”, escreveu o dirigente, o que provocou a ira da China, que vive relação tensa com o território autônomo.

Era uma espécie de endosso aos protestos por liberdade e democracia na região.

A mensagem foi apagada, mas o estrago estava feito. Naquele momento, o Los Angeles Lakers e o Brooklyn Nets estavam na China para dois amistosos de pré-temporada, realizados em alta tensão. A TV estatal chinesa cancelou a transmissã­o dos jogos, e vários contratos de publicidad­e foram interrompi­dos.

De acordo com Silver, o prejuízo ficou na casa dos US$ 300 milhões (R$ 1,51 bilhão). De lá para cá, houve sinais de reconcilia­ção com os chineses, mas não se tornou mais fácil a vida do comissário, que, apesar dos percalços, é elogiado pelos dirigentes das equipes.

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Stacy Revere - 15.fev.20/AFP Adam Silver, 57, é o principal dirigente da liga de basquete norte-americano

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