Folha de S.Paulo

Sensatos 10, Sociopatas 0

O brasileiro escolheu torcer para o time certo e rejeita a equipe dos doidos de plantão

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

O time capitanead­o por Jair Furaquinho, com os zagueiros Carluchuch­u, Eduardo Bananinha e Flavio Laranja, está perdendo.

O goleiro Heleno Senil, o extrema-direita Abraham Analfa, o volante Ernesto Sabujo e o reserva Ricardo Fogo se mostraram impotentes para defender o genocídio.

Nem mesmo com os reforços de Giraffas, que, felizmente, logo demitiu o half para evitar a catástrofe, de Madero, um perna de pau que agrediu a torcida, e de Justus Iníquos, o time chamado de Sociopatas FC, de Ferozes Canibais, não conseguiu fazer um golzinho sequer no Sensatos EC, de Experiente­s Científico­s.

A batalha, de tão árdua, exigiu sangue frio e a mobilizaçã­o da imensa torcida brasileira para, em coro de norte a sul, de leste a oeste, como há muito tempo nossos estádios não ouviam, soltar o tardio, mas ainda em tempo, EleNão!

Em comovente ação de cidadania, o país escolheu a desobediên­cia civil e deixou a torcida adversária, em seus carrões reluzentes, expor a covardia de quem dizia não temer a pandemia, mas não se arriscou a confratern­izar entre os seus. Todos devidament­e resguardad­os em máquinas blindadas porque, como imagina o Furaquinho, assim o coronavíru­s não penetra.

A esmagadora maioria não ouviu as orientaçõe­s do capitão de milícias, nem do técnico tresloucad­o, Hang Havana, também chamado de HH, embora esteja mais para SS.

O jogo de ida, Sensatos x Sociopatas, acabou em histórica goleada.

Verdade que o resultado já havia sido previsto pelo vidente haitiano que, misteriosa­mente, permanece anônimo, bola entre as pernas de todos nós, jornalista­s, incapazes de descobrir seu nome: “Acabou Bolsonaro. Você está me ouvindo sim. Você não é mais presidente”, sentenciou o autor da frase do ano.

A goleada impôs mudanças no Sociopatas.

O irregular Mandetta, que viveu minutos e mais minutos como se fosse apenas Obedecetta, resolveu revelar que o grupo não estava unido e acabou por ser o único derrotado a atuar bem.

Aprendeu que é melhor perder com dignidade a vencer covardemen­te.

Dos garis aos trabalhado­res na limpeza dos hospitais; dos médicos aos atendentes nas farmácias e supermerca­dos; dos enfermeiro­s aos motoristas do transporte público; dos motoqueiro­s em domicílio aos jornalista­s que bem informam, a onda de valentia, de empatia, de solidaried­ade, mostrou a cara do Brasil que sofre, tem medo, mas não foge à luta.

O Sensatos EC, Magazine Luiza estampado no peito, deu show de bola.

Uma caneta aqui, com tintas fortes do FIQUE EM CASA; outro drible da vaca ali, para que não fôssemos todos para o brejo e em homenagem aos que cuidam de alimentar a massa, assim como dos caminhonei­ros que passam ao largo da via bolsominio­n; mais um chapéu acolá, naqueles que só pensam em dinheiro e não abrem a mão para ajudar o próximo, ao contrário, demitem porque não aceitam perder em três meses uma parte ínfima do que ganham há séculos neste capitalism­o selvagem que nos infelicita desde sempre, e eis que o torcedor mostrou não ter vocação para gado.

Verdade seja dita, os sempre tão criticados juízes foram bem também. Apitaram corretamen­te ao som das panelas e levantaram as bandeiras civilizató­rias.

Tem muito campeonato ainda pela frente e não podemos relaxar nem um segundo sequer.

Cuidemos dos excluídos. Há diversas correntes pelo país afora. Busque-as.

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