Folha de S.Paulo

Não seremos os primeiros a reabrir

Segurança de funcionári­o é prioridade, diz presidente do Magazine Luiza; rede antecipa projeto e abre plataforma a pequenos varejistas

- Frederico Trajano Paula Soprana

O presidente da varejista Magazine Luiza diz que a rede tem caixa e pode suportar os efeitos do confinamen­to enquanto durar a medida. Se houvesse um decreto que permitisse a retomada de lojas físicas, a empresa, segundo ele, “não seria uma das primeiras a reabrir”.

“A gente digitalizo­u o Magazine Luiza e agora estávamos caminhando para um ciclo de estratégia de digitaliza­r o varejo brasileiro. Sair de uma empresa que vende só seu produto para ser um ecossistem­a digital nos moldes dos grandes market places mundiais

“Temos uma equipe de big data que acompanha a situação cidade a cidade, então temos informaçõe­s e um possível mapa de risco para ver onde há segurança de abrir. Não temos pressa. Estamos respeitand­o o lockdown. Fomos os primeiros a fechar e não devemos ser os primeiros a reabrir

são paulo A pandemia de coronavíru­s fez o Magazine Luiza antecipar um projeto que estava em gestão e vai incluir milhões de vendedores, pessoas físicas ou pequenas empresas, em seu site de vendas, afirma Frederico Trajano, presidente do grupo.

Chamado de Parceiro Magalu, o programa para pessoas físicas será como uma espécie de revenda moderna e digital da Avon. Elas receberão uma comissão a cada produto vendido em suas redes sociais, seja um item do Magalu ou de marcas parceiras que anunciam no ecommerce.

Trajano diz que a empresa tem caixa e pode suportar efeitos do confinamen­to, realidade diferente da maior parte do varejo. Diz ainda que, se houvesse um decreto que permitisse a reabertura de lojas agora, o Magazine Luiza não seria uma das primeiras a reabrir. “Não temos pressa.”

Nestas primeiras semanas de quarentena, o que dá para calcular de impacto de vendas? Como está a operação de vocês?

O que aconteceu, pragmatica­mente, é que fechamos 1.100 lojas. Mais ou menos 50% do nosso faturament­o vem de loja física. Dei férias a todos os funcionári­os dessas lojas, são 20 mil pessoas de férias.

Fechamos antes dos decretos governamen­tais. Fizemos uma série de concessões a funcionári­os, antecipamo­s tíquetes, dobramos o cheque para mães e, antes de o governo lançar medidas para ajudar as companhias, principalm­ente em relação à manutenção de empregos, que devem sair, antecipamo­s as férias.

Continuamo­s operando com 50% do nosso faturament­o, que é o ecommerce. A gente acredita que parte desse faturament­o das lojas físicas vai migrar para o online. É um fenômeno que acontece em países que já passaram por isso ou estão em lockdown [bloqueio de emergência que restringe o trânsito de pessoas], a digitaliza­ção acelerou exponencia­lmente.

Mesmo em países muito digitais, como China, a penetração online aumentou no pós-confinamen­to. Acredito que o online vai crescer e absorver isso.

Tem alguma projeção já feita sobre essa migração?

Não tenho e não posso falar, o fato relevante deixa isso claro. Não sabemos quanto tempo vão ficar fechadas, qual será o fluxo de pessoas quando as lojas reabrirem. Em alguns mercados em que o varejo retornou, o fluxo foi menor. As pessoas ficam receosas de ir para a rua. É difícil projetar, nem com bola de cristal.

Quanto tempo uma empresa do tamanho de vocês consegue sem corte de funcionári­os?

Estamos numa posição muito privilegia­da. Nenhuma varejista tem 50% do faturament­o online como a gente. Além de tudo, nossas 1.100 lojas funcionam como mini-hubs de distribuiç­ão. Então, ela também entrega rápido para o online. Também temos condições, ferramenta­s que desenvolve­mos, de vender mesmo com a loja fechada. Nossos vendedores têm celular e estamos habilitand­o para que possam vender até de casa, sem precisar ir para a loja trabalhar.

Então temos um grau de maturidade digital que faz com que a gente consiga segurar por muito tempo.

Além disso, a empresa fez uma das maiores captações de recursos privados da história no ano passado, e não gastamos esse dinheiro. Mas essa não é a condição da maioria e não quero generaliza­r uma condição específica nossa.

Como cidadão, brasileiro, varejista, membro do IDV [Instituto para Desenvolvi­mento do Varejo], fico muito sensibiliz­ado porque muitas empresas têm caixa curto e não vão conseguir segurar ou não têm maturidade digital, e esse é um dos motivos de estarmos lançando uma medida nesta semana, antes do previsto, a pequenos varejistas.

O que vocês irão lançar?

Na carta aos acionistas do fim do ano, deixamos claro que nosso propósito é incluir digitalmen­te a maior parte da população brasileira, fazer com que aprendam e consigam comprar, e também pequenos e médios varejistas.

A gente digitalizo­u o Magazine Luiza e agora estávamos caminhando para um ciclo de estratégia de digitaliza­r o varejo brasileiro. Sair de ser uma empresa que vende só seu produto para ser um ecossistem­a digital nos moldes dos grandes market places mundiais, como Alibaba, Amazon, mas estamos até mais voltados para trazer esse pequeno varejista para a nossa plataforma.

Estamos lançando o que a gente chama de Parceiro Magalu, que nada mais é que uma plataforma que permite a varejistas físicos, pequenos e médios, venderem produtos mesmo com lojas fechadas.

E como vai funcionar?

Eles podem subir o catálogo dentro do ecossistem­a digital do Magalu e vender tanto para os clientes do Magazine Luiza, que são mais de 20 milhões, como para os próprios clientes deles, usando ferramenta­s que desenvolve­mos para a nossa loja física.

Pode vender isso sem abrir uma loja, sem colocar em risco os seus funcionári­os e clientes, fazendo tudo remoto, digital. Nesse momento, esse tipo de ferramenta é quase uma utilidade pública a pequenos varejistas em situação delicada.

Vocês pretendiam fazer esse lançamento e antecipara­m por causa do coronavíru­s?

Exato, fizemos 50 semanas em cinco dias, meio lema JK. Apesar de estar com 100% da equipe de escritório em home office, a gente conseguiu em menos de cinco dias colocar tudo que estava faltando para poder soltar essa plataforma no ar. Tem modalidade para pessoa física e para pessoa jurídica. Pessoa física autônoma consegue vender sem sair de casa e ganhar dinheiro.

Acho que conseguimo­s não só dar o peixe, temos feito nosso papel em doações [a empresa doou R$ 10 milhões para o combate ao vírus], mas também dado as condições para que possam pescar.

Quantas pessoas físicas e jurídicas vocês querem incluir nessa plataforma?

Para pessoas físicas, já tínhamos uma operação que era o Magazine Você. Tinha 200 mil pessoas que vendiam todos os meses por essa plataforma. Vamos chegar a mais de 1 milhão, muito mais, milhões de pessoas que são autônomas e não podem sair de casa.

Isso porque é muito fácil e não exige investimen­to inicial. Em relação aos varejistas, estamos falando de 5 milhões de empresas brasileira­s que são CNPJ e só 50 mil vendem online. A grande maioria é analógica. Está com as portas fechadas. Estamos acelerando tanto que não tínhamos nem o plano de negócios formado para isso. É possível que até tenha alguns problemas técnicos iniciais devido à rapidez.

Entendo que é uma ajuda aos pequenos, mas, do ponto de vista estratégic­o à companhia, qual o retorno?

Queremos sair do modo varejista multicanal especializ­ado em uma categoria para ser um ecossistem­a digital que vende múltiplas categorias de diversos varejistas. Isso estava na nossa estratégia: não vender só o produto que tenho dentro de casa, mas o produto de terceiros, e ajudá-los a conseguir vender, entregar e receber o pagamento.

A vantagem de colocar muita gente na plataforma é que consegue ganhar escala muito rápido. Se for ampliar a escala pela abertura de lojas, só cresce com próprio estoque e um CNPJ, que é o do Magalu, é muito mais difícil do que crescer com milhões e milhões de CNPJs. Nos primeiros três meses, faremos isso de maneira subsidiada, não queremos gnhar dinheiro com a crise.

Vocês estão em todas as regiões. A demanda do ecommerce tem enfrentado pontos de estrangula­mento logístico?

O que teve foi muito pontual na primeira semana, em que os governos decretaram quarentena­s de maneira muito abrupta. Sinto que as coisas estão normalizan­do em relação a transporte de carga, no abastecime­nto, o próprio governo federal emitiu uma normatizaç­ão nesse sentido.

Não estou com problemas de abastecime­nto, temos 19 CDs [centros de distribuiç­ão] e lojas que funcionam como miniCDs ou que podem funcionar. Agora estão todas fechadas, mas os CDs funcionam normalment­e, nossa frota de empresas trabalha normalment­e com todas as medidas de segurança, com higienizaç­ão de hospital nos centros, medição de temperatur­a nos transporta­dores, são padrões extremamen­te rígidos para garantir saúde da nossa equipe e dos clientes.

Posso dizer que estou sentindo uma cadeia de distribuiç­ão mais lenta em prazo, mas que funciona.

Qual a sua posição sobre o confinamen­to?

Eu prefiro falar pelas ações da própria companhia. A gente fechou as lojas antes dos decretos em todas as cidades. Fizemos todo esse desenvolvi­mento para permitir que lojistas e autônomos consigam vender sem sair de casa. Estamos trabalhand­o duramente para conseguir produzir respeitand­o o confinamen­to. Acredito muito que a digitaliza­ção seja uma chave para compatibil­izar confinamen­to com o mínimo desenvolvi­mento econômico.

Se houvesse um decreto permitindo a abertura das lojas, vocês aguardaria­m mais um tempo?

Sim. Nossa posição hoje é aguardar até garantir que protocolos de segurança e saúde de trabalhado­res e clienteses­tejamadere­nteseestej­amos confortáve­is com eles.

Temos uma equipe de big data no Magalu que acompanha a situação cidade a cidade. Temos informaçõe­s e um possível mapa de risco para ver onde há segurança de abrir e onde não existe. Não temos pressa. Estamos respeitand­o o lockdown. Mais uma vez, fomos os primeiros a fechar e não devemos ser os primeiros a reabrir.

Quais medidas econômicas do governo considera essenciais para a proteção do emprego?

O governo soltou diversas medidas que, em seu conjunto, agora podemos dizer que são poderosas, o que está faltando é a MP [medida provisória]que foi decretada sobre redução de jornada, que teve instrument­os positivos —mas a principal, que era suspensão de contrato ou redução de jornada com algum nível de remuneraçã­o, não saiu da maneira ideal.

Essa acho que será a principal medida das empresas para a manutenção dos empregos. Estamos confiantes de que será editado algo positivo ao menos pelos próximos três meses para dar segurança.

A retomada pós-confinamen­to pode ser demorada, defende algum estímulo?

Agora temos que pensar em três meses, na próxima semana, não em seis meses para a frente, e não pode demorar muito para tomar decisão. Mais para a frente, poderemos pensar em medidas pós-lockdown.

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Formado em administra­ção de empresas, é presidente do grupo Magazine Luiza, uma das maiores varejistas do país, desde 2016. Na sua gestão, a empresa colocou a digitaliza­ção como carro-chefe da operação de suas 1.100 lojas físicas; hoje, 50% do faturament­o da marca vem do ecommerce
Aloisio Mauricio - 1º.out.19/Fotoarena/Folhapress Frederico Trajano, 44 Formado em administra­ção de empresas, é presidente do grupo Magazine Luiza, uma das maiores varejistas do país, desde 2016. Na sua gestão, a empresa colocou a digitaliza­ção como carro-chefe da operação de suas 1.100 lojas físicas; hoje, 50% do faturament­o da marca vem do ecommerce

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