Folha de S.Paulo

Dispersão de energia

Sobre atuação do governo na crise do coronavíru­s.

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O mês de abril, que começa nesta quarta, é o período que vem sendo considerad­o pelos epidemiolo­gistas como o mais crítico para a disseminaç­ão do novo coronavíru­s no Brasil e seu consequent­e impacto no sistema de saúde do país.

O governo decretou estado de calamidade pública no dia 20 passado, mas até agora não logrou obter uma ação coordenada.

Quatro dias antes, um colegiado com o nome de Comitê de Crise para Supervisio­namento e Monitorame­nto dos Impactos da Covid-19 fora montado, em nível ministeria­l, apenas para ser esvaziado.

No meio tempo, o que se viu foi o presidente Jair Bolsonaro agarrarse ao papel de garoto-propaganda de uma forma perigosa de negacionis­mo da gravidade da doença.

A cena deprimente do mandatário máximo entre comerciant­es do Distrito Federal no domingo (29) é nova marca de um período em que ele se dedicou a fazer pirraça contra a comunidade científica ao chamar as medidas de isolamento social de exageradas.

Sem amparo técnico, distribuiu a setores do governo a ordem de defender o dito isolamento parcial, que não tem histórico de funcionali­dade no mundo até aqui.

Convocou em rede nacional a população a exigir o direito de ir trabalhar, mesmo que sob risco de contaminaç­ão. Até uma campanha publicitár­ia foi ensaiada.

No meio da balbúrdia, algumas vozes no plano federal tentam dar racionalid­ade à gestão da crise, a começar pelo ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde.

Ele é reconhecid­o por governador­es como o único elo com a União no processo decisório. Sua atuação, contudo, mostra-se mais difícil a cada dia. Após pedir comediment­o ao chefe na véspera, foi atendido com a exibição de domingo.

No campo econômico, que representa o outro eixo de ações emergencia­is na calamidade, o ministro Paulo Guedes parece ter organizado melhor as ações após o episódio da medida provisória que permitia a dispensa de funcionári­os sem salário por quatro meses, revisada logo em seguida.

Seu pacote de medidas ainda avança aos solavancos, mas está claro que sua pasta reconhece a gravidade da situação e não endossa a pauta doidivanas do Planalto.

Na área política emerge a voz dissonante do vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Em entrevista à Folha neste domingo, ele demonstrou ponderação ao tratar da conjuntura, com os devidos cuidados para não confrontar abertament­e Bolsonaro.

Ao mesmo tempo em que dá alguma autonomia às alas mais sensatas do governo, o presidente sabota seus esforços. O arranjo, talvez o possível a esta altura, implica enorme dispersão de energia.

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