Com fim do BBB e A Fazenda ameaçado, cai oferta de realities para o público na TV
Um mês depois do fim do ‘Big Brother Brasil’ e com reality shows como ‘MasterChef ’ e ‘A Fazenda’ ameaçados, o público da televisão nunca sentiu tanta falta de barracos ao vivo
são paulo
A esta altura, um mês depois da grande final,
quase ninguém se lembraria de tudo aquilo que aconteceu no mais recente “BBB”. Mas não em 2020, este ano tão radicalmente atípico.
O estrondo da última edição gerou a maior audiência do programa em uma década, alcançou recordes mundiais de votação, levantou verdadeiros conflitos bélicos nas redes sociais e sedimentou celebridades que desta vez parecem duradouras.
Todo esse alvoroço colaborou não só para estender a cauda do programa por mais tempo do que o normal, mas também para intensificar certo vácuo que o principal reality show do Brasil sempre deixa quando terminam suas temporadas.
Evidente que a pandemia do novo coronavírus é um fator determinante nisso. Se talvez nem tanto na audiência do programa —segundo informações da TV Globo, o “Big Brother Brasil” já tinha alcançado um total de 150 milhões de pessoas antes da quarentena, e o número final ficou em 168,5 milhões—, com certeza resultou no mais estranho pós-“BBB” que já tivemos até o momento.
“Quando eu saí da casa falei, meu Deus, como é que faz show? Como é que faz peça? Como aproveita isso tudo?”, pergunta Babu Santana, um dos protagonistas do último confinamento, que já tinha sólida carreira artística antes de ganhar fama nacional no horário após a novela das nove.
“Eu saí de um confinamento voluntário e me deparei com a situação de um confinamento obrigatório”, lembra Thelma Assis, que se sagrou campeã da competição mesmo sem o benefício da fama pregressa. “Fiquei bem chocada. Imaginei que fosse sair e encontrar uma data para a quarentena acabar.”
A solução a que os ex-participantes têm recorrido para potencializar a fama agora é a mesma de muitas outras personalidades. No seu canal oficial do YouTube, Babu criou o “Quintal do Paizão”, uma live em que cozinhou, cantou e reuniu um total de mais de 300 mil visualizações no domingo retrasado.
Já a live “Vinho no meu Tapete”, da estrela pop e hoje exBBB Manu Gavassi, acumula mais de 3,5 milhões de reproduções no YouTube, tendo alcançado 350 mil pessoas assistindo ao vivo simultaneamente. O sucesso resulta de uma estratégia bem pensada de projeção profissional da atriz, cantora e, mais do que nunca, influenciadora digital.
“Nunca pensei na minha vida em entrar num reality show, principalmente do tamanho do ‘Big Brother’. Mas, pensei, se isso for trazer o que eu sempre quis para a minha carreira, essa visibilidade da minha personalidade e do meu trabalho, então eu topo”, conta Manu, que só não tinha como prever que não poderia sair de casa por bem mais tempo que o planejado.
Já Thelma, novata no mundo da mídia, tem um histórico que confere a ela uma projeção curiosa agora.
Formada em medicina, ela tem sido consultada na posição de especialista em saúde durante lives e programas de TV da era coronavírus —e foi abordada até pela prefeitura paulistana, que a pôs no centro de uma propaganda de conscientização para a atual quarentena.
“Passei os últimos três meses dentro de uma casa”, diz Thelma na peça de 30 segundos. “E, como médica, eu lhe faço um apelo: fique em casa.”
Esses casos todos, por mais que tenham suas especificidades, refletem uma permanente vontade do público de acompanhar esses personagens que ganharam os holofotes nos reality shows.
O formato, pujante e reinventado seguidas vezes, é um dos últimos bastiões da televisão clássica, ou seja, aquela para a qual o acompanhamento ao vivo é fundamental. O contraste é ainda maior agora, quando reprises inundam a programação de todos os canais.
A discussão e a torcida em cada episódio de um grande reality, potencializada pelas redes sociais, só se compara hoje ao investimento no calor da hora do futebol, já que novelas e séries podem, quase sem prejuízo, ser resgatadas no streaming e seguidas no ritmo que atende ao bel-prazer de cada um.
Não à toa, em nota à reportagem, a Globo celebra o sucesso da última edição do “Big Brother” destacando que em momentos decisivos se viam “pessoas gritando nas janelas a cada resultado, como se estivéssemos em uma Copa do Mundo”.
É notório no ramo do entretenimento que o “BBB”, pioneiro e alvo de imensos investimentos publicitários na Globo, sempre deixa uma sensação de vazio quando termina.
Um sintoma do abalo da pandemia é o sucesso que tem feito no YouTube a série “Fazenda Depressão”, versão virtual do reality show da TV Record que faz interagirem dentro de um cenário do game “The Sims” avatares de personalidades como “Neymala” e “Alberto Injustus”.
Para quem duvida do poder de atração da brincadeira, criada e narrada de forma engraçadíssima pelo casal de designers Eduardo Camargo e Filipe Oliveira, basta ver que o primeiro episódio, postado há três semanas, já tem mais de 900 mil visualizações.
“As pessoas gostam muito de ver as outras passando certos perrengues. É meio mórbido falar isso”, diz Camargo, por telefone. “‘A Fazenda’ é um exemplo, é famoso tendo que cuidar de vaca, uma casa não tão confortável. E tem o fato de as pessoas terem o poder de votar.”
Sabendo disso, a “Fazenda Depressão” também tem paredões, com os eliminados sendo eleitos pelo público — que chega a 20 mil pessoas acompanhando os bonequinhos virtuais ao mesmo tempo, em lives de mais de três horas às sextas. “Esse poder é primordial para que as pessoas se interessem e assistam.”
Todas as emissoras, a esta altura, já estão cansadas de saber desse potencial. Mas, neste ano, o coronavírus embaralhou todos os planos.
A Record teve de cancelar a próxima edição de “Power Couple”, seu reality de casais que estrearia neste mês, com boa parte do elenco já escalada. Por outro lado, anunciou ter fechado a seleção da próxima edição de “A Fazenda” e estuda até antecipar a estreia do reality no segundo semestre, a depender de como avançar a pandemia.
Já a Band suspendeu seu carro-chefe, “MasterChef”. Com gravação prevista para começar em abril, o reality culinário foi suspenso quando ainda estava em fase de pré-produção, uma decisão tomada “imediatamente pela segurança dos profissionais”, diz o diretor de programação da emissora, Antonio Zimmerle.
O executivo também conta que quatro episódios já gravados de “Pesadelo na Cozinha”, programa estrelado pelo chef Érick Jacquin e também interrompido pela quarentena, foram guardados para um lançamento junto com um produto maior no ano que vem.
A emissora tem apostado em alternativas como o reality “Largados e Pelados”, exibido antes só em canais fechados e comprado depois de um namoro já antigo com a Discovery, segundo Zimmerle. A estreia, na semana passada, observou um crescimento de 160% naquela faixa de horário para a Band.
Além disso, o próprio “MasterChef” tem sido reinventado, com os chefs-celebridades se desafiando em lives nas redes sociais e a decisão da Band de reexibir a primeira temporada da versão “Profissionais” do reality, de 2016.
Ao comentar a relevância das reprises neste tempo de pandemia, Zimmerle descreve a estratégia como “uma forma de salvar a televisão e atender ao fãs”. “É um momento de reviver momentos”, completa Bruno Zanoni, gerente de programação da Band.
Tomara que não demore para que possamos, fora do confinamento, viver momentos novos —e bisbilhotar a intimidade dos outros.