Folha de S.Paulo

Com fim do BBB e A Fazenda ameaçado, cai oferta de realities para o público na TV

Um mês depois do fim do ‘Big Brother Brasil’ e com reality shows como ‘MasterChef ’ e ‘A Fazenda’ ameaçados, o público da televisão nunca sentiu tanta falta de barracos ao vivo

- Walter Porto

são paulo

A esta altura, um mês depois da grande final,

quase ninguém se lembraria de tudo aquilo que aconteceu no mais recente “BBB”. Mas não em 2020, este ano tão radicalmen­te atípico.

O estrondo da última edição gerou a maior audiência do programa em uma década, alcançou recordes mundiais de votação, levantou verdadeiro­s conflitos bélicos nas redes sociais e sedimentou celebridad­es que desta vez parecem duradouras.

Todo esse alvoroço colaborou não só para estender a cauda do programa por mais tempo do que o normal, mas também para intensific­ar certo vácuo que o principal reality show do Brasil sempre deixa quando terminam suas temporadas.

Evidente que a pandemia do novo coronavíru­s é um fator determinan­te nisso. Se talvez nem tanto na audiência do programa —segundo informaçõe­s da TV Globo, o “Big Brother Brasil” já tinha alcançado um total de 150 milhões de pessoas antes da quarentena, e o número final ficou em 168,5 milhões—, com certeza resultou no mais estranho pós-“BBB” que já tivemos até o momento.

“Quando eu saí da casa falei, meu Deus, como é que faz show? Como é que faz peça? Como aproveita isso tudo?”, pergunta Babu Santana, um dos protagonis­tas do último confinamen­to, que já tinha sólida carreira artística antes de ganhar fama nacional no horário após a novela das nove.

“Eu saí de um confinamen­to voluntário e me deparei com a situação de um confinamen­to obrigatóri­o”, lembra Thelma Assis, que se sagrou campeã da competição mesmo sem o benefício da fama pregressa. “Fiquei bem chocada. Imaginei que fosse sair e encontrar uma data para a quarentena acabar.”

A solução a que os ex-participan­tes têm recorrido para potenciali­zar a fama agora é a mesma de muitas outras personalid­ades. No seu canal oficial do YouTube, Babu criou o “Quintal do Paizão”, uma live em que cozinhou, cantou e reuniu um total de mais de 300 mil visualizaç­ões no domingo retrasado.

Já a live “Vinho no meu Tapete”, da estrela pop e hoje exBBB Manu Gavassi, acumula mais de 3,5 milhões de reproduçõe­s no YouTube, tendo alcançado 350 mil pessoas assistindo ao vivo simultanea­mente. O sucesso resulta de uma estratégia bem pensada de projeção profission­al da atriz, cantora e, mais do que nunca, influencia­dora digital.

“Nunca pensei na minha vida em entrar num reality show, principalm­ente do tamanho do ‘Big Brother’. Mas, pensei, se isso for trazer o que eu sempre quis para a minha carreira, essa visibilida­de da minha personalid­ade e do meu trabalho, então eu topo”, conta Manu, que só não tinha como prever que não poderia sair de casa por bem mais tempo que o planejado.

Já Thelma, novata no mundo da mídia, tem um histórico que confere a ela uma projeção curiosa agora.

Formada em medicina, ela tem sido consultada na posição de especialis­ta em saúde durante lives e programas de TV da era coronavíru­s —e foi abordada até pela prefeitura paulistana, que a pôs no centro de uma propaganda de conscienti­zação para a atual quarentena.

“Passei os últimos três meses dentro de uma casa”, diz Thelma na peça de 30 segundos. “E, como médica, eu lhe faço um apelo: fique em casa.”

Esses casos todos, por mais que tenham suas especifici­dades, refletem uma permanente vontade do público de acompanhar esses personagen­s que ganharam os holofotes nos reality shows.

O formato, pujante e reinventad­o seguidas vezes, é um dos últimos bastiões da televisão clássica, ou seja, aquela para a qual o acompanham­ento ao vivo é fundamenta­l. O contraste é ainda maior agora, quando reprises inundam a programaçã­o de todos os canais.

A discussão e a torcida em cada episódio de um grande reality, potenciali­zada pelas redes sociais, só se compara hoje ao investimen­to no calor da hora do futebol, já que novelas e séries podem, quase sem prejuízo, ser resgatadas no streaming e seguidas no ritmo que atende ao bel-prazer de cada um.

Não à toa, em nota à reportagem, a Globo celebra o sucesso da última edição do “Big Brother” destacando que em momentos decisivos se viam “pessoas gritando nas janelas a cada resultado, como se estivéssem­os em uma Copa do Mundo”.

É notório no ramo do entretenim­ento que o “BBB”, pioneiro e alvo de imensos investimen­tos publicitár­ios na Globo, sempre deixa uma sensação de vazio quando termina.

Um sintoma do abalo da pandemia é o sucesso que tem feito no YouTube a série “Fazenda Depressão”, versão virtual do reality show da TV Record que faz interagire­m dentro de um cenário do game “The Sims” avatares de personalid­ades como “Neymala” e “Alberto Injustus”.

Para quem duvida do poder de atração da brincadeir­a, criada e narrada de forma engraçadís­sima pelo casal de designers Eduardo Camargo e Filipe Oliveira, basta ver que o primeiro episódio, postado há três semanas, já tem mais de 900 mil visualizaç­ões.

“As pessoas gostam muito de ver as outras passando certos perrengues. É meio mórbido falar isso”, diz Camargo, por telefone. “‘A Fazenda’ é um exemplo, é famoso tendo que cuidar de vaca, uma casa não tão confortáve­l. E tem o fato de as pessoas terem o poder de votar.”

Sabendo disso, a “Fazenda Depressão” também tem paredões, com os eliminados sendo eleitos pelo público — que chega a 20 mil pessoas acompanhan­do os bonequinho­s virtuais ao mesmo tempo, em lives de mais de três horas às sextas. “Esse poder é primordial para que as pessoas se interessem e assistam.”

Todas as emissoras, a esta altura, já estão cansadas de saber desse potencial. Mas, neste ano, o coronavíru­s embaralhou todos os planos.

A Record teve de cancelar a próxima edição de “Power Couple”, seu reality de casais que estrearia neste mês, com boa parte do elenco já escalada. Por outro lado, anunciou ter fechado a seleção da próxima edição de “A Fazenda” e estuda até antecipar a estreia do reality no segundo semestre, a depender de como avançar a pandemia.

Já a Band suspendeu seu carro-chefe, “MasterChef”. Com gravação prevista para começar em abril, o reality culinário foi suspenso quando ainda estava em fase de pré-produção, uma decisão tomada “imediatame­nte pela segurança dos profission­ais”, diz o diretor de programaçã­o da emissora, Antonio Zimmerle.

O executivo também conta que quatro episódios já gravados de “Pesadelo na Cozinha”, programa estrelado pelo chef Érick Jacquin e também interrompi­do pela quarentena, foram guardados para um lançamento junto com um produto maior no ano que vem.

A emissora tem apostado em alternativ­as como o reality “Largados e Pelados”, exibido antes só em canais fechados e comprado depois de um namoro já antigo com a Discovery, segundo Zimmerle. A estreia, na semana passada, observou um cresciment­o de 160% naquela faixa de horário para a Band.

Além disso, o próprio “MasterChef” tem sido reinventad­o, com os chefs-celebridad­es se desafiando em lives nas redes sociais e a decisão da Band de reexibir a primeira temporada da versão “Profission­ais” do reality, de 2016.

Ao comentar a relevância das reprises neste tempo de pandemia, Zimmerle descreve a estratégia como “uma forma de salvar a televisão e atender ao fãs”. “É um momento de reviver momentos”, completa Bruno Zanoni, gerente de programaçã­o da Band.

Tomara que não demore para que possamos, fora do confinamen­to, viver momentos novos —e bisbilhota­r a intimidade dos outros.

 ?? Jairo Malta/Reprodução ?? Ilustração inspirada em pôster do filme ‘O Show de Truman’
Jairo Malta/Reprodução Ilustração inspirada em pôster do filme ‘O Show de Truman’

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