Inquérito do Supremo fecha o cerco contra ‘gabinete do ódio’
Roberto Jefferson, Luciano Hang e ativistas bolsonaristas são alvos de operação da PF contra fake news
A Polícia Federal cumpriu ontem 29 mandados de busca e apreensão no inquérito das fake news, que apura ofensas e ameaças contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e é conduzido pela própria corte.
Políticos, empresários e ativistas bolsonaristas foram os alvos da ação policial. As ordens foram expedidas pelo ministro Alexandre de Moraes. No despacho, o relator fala da suspeita de uma “associação criminosa”.
Assim é descrito o “gabinete do ódio”, o bunker digital do Planalto, idealizado e tutelado por Carlos Bolsonaro dentro da Presidência. Jair Bolsonaro, que questionou a legalidade da operação, teme que o filho seja atingido.
Sofreram buscas o presidente do PTB, Roberto Jefferson; o dono da Havan, Luciano Hang; ativistas bolsonaristas, como Allan dos Santos e Sara Winter; e assessores do deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP).
Hang e outros suspeitos de financiar fake news em 2018 tiveram quebrados seus sigilos bancário e fiscal.
“As provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como ‘Gabinete do Ódio Alexandre de Moraes na decisão que autorizou a operação da Polícia Federal
brasília A Polícia Federal cumpriu nesta quarta-feira (27) 29 mandados de busca e apreensão no chamado inquérito das fake news, que apura ofensas, ataques e ameaças contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Políticos, empresários e ativistas bolsonaristas foram os alvos da ação policial.
As ordens foram expedidas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito aberto no ano passado. Em seu despacho, Moraes afirma fala em suspeita de “associação criminosa”.
O governo do presidente Jair Bolsonaro e o procuradorgeral da República, Augusto Aras, reagiram à operação da PF com questionamentos sobre sua legalidade.
Bolsonaro relatou a aliados um temor de que Carlos Bolsonaro torne-se o próximo alvo de uma operação ---em abril, a Folha revelou que, no inquérito, a PF identificou o filho do presidente como um dos articuladores de esquema criminoso de fake news.
Policiais buscaram nesta quarta-feira provas nos endereços do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, do dono da Havan, Luciano Hang, de ativistas bolsonaristas nas redes sociais e de assessores do deputado estadual paulista Douglas Garcia (PSL). Entre os alvos estavam os bolsonaristas Allan dos Santos (blogueiro) e Sara Winter (ativista).
O principal foco da operação é um grupo suspeito de operar uma rede de divulgação de notícias falsas contra autoridades, além de quatro possíveis financiadores da equipe.
Oito parlamentares são investigados, mas não houve mandados para recolhimento de material em seus endereços. Moraes determinou que sejam ouvidos em dez dias e proibiu que suas postagens em redes sociais sejam apagadas.
Trata-se dos deputados federais Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Daniel Lúcio da Silveira (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio do Amaral (PSL-MG), Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PSLSP), além dos deputados estaduais Douglas Garcia (PSLSP) e Gil Diniz (PSL-SP).
A possível tentativa do presidente Bolsonaro de proteger aliados de apurações da PF está no centro de outra investigação que corre no Supremo, aberta após acusações do exministro Sergio Moro (Justiça).
Numa mensagem enviada no mês passado ao ex-juiz da Lava Jato, o mandatário disse que um motivo para a troca do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, era a notícia de que o inquérito das fake news mirava deputados do seu espectro político. Após a saída de Moro, Moraes proibiu a troca da equipe da PF que atua na investigação.
Em sua decisão que autorizou a operação desta quarta, Moraes citou o chamado “gabinete do ódio”, como é conhecido o bunker digital da Presidência tutelado e idealizado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
“As provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como ‘Gabinete do Ódio’”, disse.
Moraes citou os depoimentos dos deputados federais Joice Hasselmann (PSL-SP), Alexandre Frota (PSL-SP) e Heitor Freire (PSL-CE), que descreveram um suposto esquema coordenado pelo Palácio do Planalto para propagar pautas inconstitucionais e campanhas de difamação contra adversários políticos.
Um dos relatos transcritos na decisão é o de Freire, que menciona diretamente assessores do chamado bunker digital da Presidência.
“É do conhecimento do depoente que Matheus Sales, Mateus Matos Diniz e Tercio Arnaud Tomaz, todos assessores especiais da Presidência da República, são os integrantes principais do chamado ‘Gabinete do Ódio’, que se especializou em produzir e distribuir fake news contra diversas autoridades, personalidades e até integrantes do Supremo Tribunal Federal”, disse o congressista.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou contra os mandados de busca e apreensão. Aras pediu ainda ao ministro Edson Fachin, do STF, que suspenda o inquérito. Em parecer enviado ao magistrado, ele diz que a PGR “viu-se surpreendida” com o noticiário da operação.
O inquérito foi instaurado em 2019 de forma atípica, sem prévia requisição da PGR, com base num artigo do regimento do Supremo. Ele prevê que, ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente “instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.
Desde a abertura do caso, diferentemente do que ocorre de hábito, as medidas investigativas não têm sido propostas pelo Ministério Público Federal, mas pelo próprio Supremo, que as defere. A operação desta quarta, por exemplo, foi sugerida pelo juiz que auxilia Moraes em seu gabinete.
De acordo com as investigações, o ex-congressista Roberto Jefferson fez ameaças à democracia ao publicar uma foto com um fuzil “os traidores”.
Moraes mandou bloquear as redes sociais do ex-parlamentar e afirmou que há indícios da prática de sete crimes.
Na visão do ministro do STF, conteúdos publicados por Jefferson configuram “graves ofensas ao Supremo e seus integrantes, com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivoàquebradanormalidadeinstitucionaledemocrática”.
Jefferson tem afirmado que não é a favor do fechamento do STF, mas que defende a aposentadoria compulsória dos 11 ministros para que os novos integrantes da corte sejam indicados pelo presidente Jair Bolsonaro.
Alexandre de Moraes, porém, afirma que a aposentadoria repentina de todos os magistrados da corte desrespeita a Constituição e seria ilegal.
O ministro determinou que Jefferson preste depoimento e que a PF o questione sobre “as reiteradas postagens em redes sociais de mensagens contendo graves ofensas a esta corte e seus integrantes, com conteúdo de ódio e de subversão da ordem”. Ele preside o PTB e se tornou aliado fiel de Bolsonaro após o Planalto se aproximar do centrão.
São graves ofensas ao Supremo e seus integrantes, com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática idem sobre conteúdos publicados por Roberto Jefferson
O próprio presidente chegou a assistir e recomendar uma live em que Jefferson acusava o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), de arquitetar um golpe parlamentar.
Outro alvo da operação, Allan dos Santos é apoiador de Bolsonaro e editor do site Terça Livre. Ele prestou depoimento à CPMI das Fake News, no ano passado, e negou receber verba do governo para manter a página.
Já a ativista Sara Winter lidera um grupo denominado 300 do Brasil, que formaram um acampamento para treinar militantes dispostos a defender o governo.
Outros alvos foram Edson Pires Salomão e Rodrigo Ribeiro, assessores de Douglas Garcia; o humorista Rey Bianchi, que postou em redes sociais vídeo criticando a operação; os ativistas Marcos Dominguez Bellizia, do Nas Ruas, Bernardo Kuster, que faz postagens no Youtube, e Marcelo Stachin.
O capitão da reserva da Marinha Winston Rodrigues Lima, mais conhecido como Comandante Winston, também está na lista.
Alexandre de Moraes tem remetido braços da investigação às Procuradorias nos estados onde considera haver indícios de crimes, para que avaliem as provas colhidas pelo STF e, se entenderem que houve crime, ofereçam denúncia.
No Supremo, com exceção do ministro Marco Aurélio, mesmo os críticos do procedimento evitam comentá-lo, seja para não enfraquecer o tribunal perante o público, seja porque desconhecem a gravidade do que a apuração ainda pode encontrar. Segundo os críticos, o inquérito tem vícios de origem.
A investigação foi aberta em março pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, sem provocação de outro órgão —no jargão jurídico, foi instaurada de ofício.
Moraes foi escolhido relator por Toffoli sem que houvesse um sorteio entre todos os ministros. E o objeto da apuração é amplo demais, sem um fato criminoso bem definido, o que permite que várias situações sejam enquadradas no escopo da investigação, como tem ocorrido.