Folha de S.Paulo

Em reação, governo cogita não acatar atos da corte

Reunido com ministros, presidente afirma que Executivo não ficará calado e quer barrar depoimento de Weintraub

- Julia Chaib, Gustavo Uribe e Ricardo Della Coletta

Uma reunião de Jair Bolsonaro com seu gabinete após a operação da PF debateu possíveis reações. Uma delas é que o ministro Augusto Heleno não acate nenhuma diligência de um pedido de impeachmen­t contra ele apresentad­o ao Supremo, e outra é impedir que Abraham Weintraub deponha no inquérito das fake news.

brasília Irritado com a operação autorizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que atingiu deputados da base e apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro reuniu sua equipe de ministros nesta quarta-feira (27) para definir uma estratégia de reação à corte.

No encontro, segundo auxiliares presentes, o presidente avaliou como absurda e desnecessá­ria a investigaç­ão contra aliados do seu governo, considerou que se trata de uma retaliação e reforçou que o Poder Executivo não pode aceitar calado.

A primeira medida que ficou definida é que a AGU (Advocacia-Geral da União) ingressará com pedido de habeas corpus para que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, não preste depoimento ao STF. Ele foi intimado no mesmo inquérito que apura o disparo de fake news por aliados do presidente.

A ideia seria ingressar com o habeas corpus para impedir a prisão ou outra medida cautelar contra o ministro no caso de ele se recusar a cumprir a determinaç­ão do STF de prestar depoimento.

Na reunião, também foram discutidas outras iniciativa­s de resistênci­a, mas ainda não se chegou a uma definição. Entre elas, a sugestão para que o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal), Augusto Heleno, não acate nenhum pedido de diligência­s no âmbito de um pedido de impeachmen­t contra o ministro que foi apresentad­o ao tribunal e é relatado por Celso de Mello.

O núcleo ideológico defendeu ainda que o presidente insista mais uma vez na nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal.

O ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu a posse do amigo do presidente no mês passado.

Com exceção do pedido de habeas corpus, as demais propostas não foram unânimes na reunião, o que levou o presidente a rediscuti-las com o núcleo jurídico do governo.

Para tratar do tema, Bolsonaro se reuniu no início da noite no Palácio da Alvorada com o ministro da Justiça, André Mendonça.

De acordo com relatos feitos à Folha, no encontro, também foi lido um texto de 2019 atribuído ao advogado Modesto Carvalhosa que sugeriu a prisão preventiva dos ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes por causa do inquérito das fake news.

Outra ideia discutida é a divulgação de uma uma nota descrevend­o a reação planejada. Caso Bolsonaro siga essa linha, aprofundar­á ainda mais a crise do governo com o Judiciário.

Segundo assessores do presidente, Bolsonaro avaliou nesta quarta-feira que a operação deflagrada teve como objetivo atingi-lo. O presidente discutiu o assunto com ministros, inclusive com o titular da Defesa, Fernando Azevedo.

A aliados que o visitaram, o presidente avaliou que o ministro Alexandre de Moraes quer disputar poder com ele. Auxiliares do mandatário disseram que o presidente tratou a situação como uma guerra.

Segundo pessoas próximas, Bolsonaro hoje teria mais condições de tomar uma medida forte porque tem o apoio de ministros militares. Aliados do presidente avaliam que as últimas ações do Supremo uniram o núcleo fardado em defesa do governo.

Mais cedo, integrante­s do Palácio do Planalto disseram que cresceu a disposição do presidente de questionar ministros da corte com base na lei de abuso de autoridade.

Segundo auxiliares de Bolsonaro, o governo avalia entrar com uma ADI (ação direta de inconstitu­cionalidad­e) contra a investigaç­ão que mira parlamenta­res no Supremo, como mostrou a coluna Painel, e também questionar Alexandre de Moraes e Celso de Mello, ambos da corte, por excessos que teriam cometido em ações recentes.

Em outra frente, aliados de Bolsonaro do núcleo mais ideológico avaliam reforçar o movimento nas redes pedindo o impeachmen­t dos magistrado­s, embora tenham pouca chance de avançar no Congresso.

O inquérito das fake news apura a disseminaç­ão de notícias falsas, ofensas, ataques e ameaças contra integrante­s do STF.

Foi no âmbito desse inquérito que Moraes mandou tirar do ar reportagem dos sites da revista Crusoé e O Antagonist­a que ligavam Toffoli à empreiteir­a Odebrecht. Dias depois, o ministro voltou atrás e derrubou a censura.

No Supremo, com exceção do ministro Marco Aurélio, mesmo os críticos ao procedimen­to têm evitado comentá-lo, seja para não enfraquece­r o tribunal perante o público, seja porque, como observam, desconhece­m a gravidade do que a apuração ainda pode encontrar.

O motivo dos questionam­entos sobre o inquérito é que, segundo seus críticos, há uma série de vícios de origem. A investigaç­ão foi aberta em março pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, sem provocação de outro órgão —no jargão jurídico, foi instaurada de ofício.

Moraes foi escolhido relator por Toffoli sem que houvesse um sorteio entre todos os ministros. E o objeto da apuração é amplo demais, sem um fato criminoso bem definido, o que permite que várias situações sejam enquadrada­s no escopo da investigaç­ão, como tem ocorrido.

A investigaç­ão foi aberta em uma semana marcada por derrotas da Operação Lava Jato no STF e troca de farpas entre magistrado­s, congressis­tas e membros da força-tarefa em Curitiba.

O anúncio causou descontent­amento no Congresso e no Ministério Público. Podem ser alvo parlamenta­res e procurador­es que, no entendimen­to dos ministros, tenham levado a população a ficar contra o tribunal.

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Marcos Corrêa/Divulgação Presidênci­a Jair Bolsonaro em videoconfe­rência com o presidente da Polônia nesta quarta-feira

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