Folha de S.Paulo

Sujos e mal lavados

Sobre operações polêmicas da PF nos últimos dias.

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Dado o atual ambiente de conflagraç­ão política e institucio­nal, é compreensí­vel que a operação deflagrada por Ministério Público e Polícia Federal na terça-feira (26), envolvendo o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), tenha despertado desconfian­ça.

Acusado pelo presidente Jair Bolsonaro de instrument­alizar a Justiça e forças de segurança estaduais para atingir seus familiares, Witzel viu-se alvo de um mandado de busca e apreensão que autorizou o confisco de seu celular e de documentos e arquivos oficiais, com vistas a desvendar suposto esquema de fraudes na área da saúde.

O fato de que a diligência tenha se dado logo após a troca de guarda promovida por Bolsonaro no Ministério da Justiça, no comando da PF e em sua superinten­dência no Rio ofereceu a Witzel, inimigo declarado de Bolsonaro, a oportunida­de de politizar o ocorrido.

Atribuiu os fatos a uma escalada fascista promovida por seu adversário e, em distorção flagrante, afirmou que o teria ajudado a se eleger em 2018 —quando se sabe que foi justamente o contrário.

Embora as suspeitas de vazamento da operação, praticamen­te antecipada por uma deputada bolsonaris­ta, e os interesses políticos do presidente no caso não possam ser ignorados, tais deformaçõe­s não fazem de Wilson Witzel um cidadão acima da lei.

Pelo contrário: os indícios de malversaçã­o e superfatur­amento na área da saúde do Rio são gritantes, e as investigaç­ões, guardados os limites da lei, são bem-vindas. Deve-se lembrar, a esse respeito, que as ações foram autorizada­s pelo Superior Tribunal de Justiça.

Bolsonaro —que não ajudou seu caso ao parabeniza­r publicamen­te a PF pela operação envolvendo Witzel— seria atingido, no dia seguinte, por uma investida diversa da instituiçã­o policial.

Desta vez sob as rédeas do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, policiais federais cumpriram nesta quarta (27) mandados relacionad­os ao também controvers­o inquérito que apura esquemas de fake news.

Entre os alvos estão bolsonaris­tas dos mundos empresaria­l e político; não será surpresa se a apuração chegar à família presidenci­al. A ofensiva do Supremo suscitou um protesto formal do procurador-geral da República, Augusto Aras, em razão de sua exclusão dos procedimen­tos.

Ganham o país e a democracia se a PF, a despeito de tentativas de manipulaçã­o ou de eventuais colorações políticas deste ou daquele setor, se ativer a seu papel constituci­onal de investigar e esclarecer a atuação criminosa de agentes públicos e privados —como tem feito, aliás, nos últimos anos.

Cumpre reforçar a autonomia desse órgão de Estado, submetendo a indicação de seu diretor ao crivo do Senado, e fixar controles claros dos limites de sua atuação.

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