Folha de S.Paulo

Passageiro viaja com avião esvaziado e desinfetad­o em voos na pandemia

Repórter pega voo entre São Paulo e Minas para ver o que mudou nos aeroportos e companhias

- Marília Miragaia

são paulo e belo horizonte

Pegar um voo durante a pandemia de Covid-19 exige que o passageiro reveja seus conceitos sobre viagens de avião.

Esta repórter acompanhou voos operados pela GOL e Latam entre o aeroporto de Guarulhos (SP) e Confins (MG) nesta segunda (25) e conversou com passageiro­s, funcionári­os de companhias e do comércio sobre as transforma­ções causadas pela pandemia.

As mudanças começam antes de sair de casa, quando, além do documento, é preciso se lembrar da máscara e do álcool em gel, diz a curitibana Ariadne Saldanha, 21, supervisor­a de logística.

Em escala no aeroporto de Guarulhos com destino a Belo Horizonte, Ariadne diz que começou a retomar as viagens a trabalho, mas está preocupada porque mora com a mãe, que faz parte do grupo de risco. “Ela me pediu cuidado para não encostar em nada”, diz.

No check-in do aeroporto de Confins, divisores de fluxo foram colocados em frente ao balcão para aumentar a distância entre o atendente e o cliente que vai despachar malas, explica Eden Pisani Júnior, 47, gerente de aeroporto da Latam. Caso um passageiro solicite informaçõe­s com a máscara abaixada, funcionári­os pedem que a peça seja reposicion­ada.

Corredores vazios, lojas fechadas, grandes dispensers de álcool em gel e avisos sobre o uso de máscara são os sinais mais aparentes de que a rotina nos aeroportos mudou e o movimento diminuiu.

Segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), no mês abril de 2020 foram registrado­s 5.715 voos domésticos, contra 63.112 no mesmo período do ano passado.

A Latam realizava em média 750 voos por dia no Brasil antes da pandemia e, em maio, está operando uma média diária de 35 voos. Na terça (26), o Grupo Latam Airlines entrou com pedido de recuperaçã­o judicial nos Estados Unidos. O processo não inclui a empresa brasileira.

Em maio, Azul, Gol e Latam devem operar em 44 cidades brasileira­s. Essa malha aérea é cerca de 90% menor do que a prevista pelas empresas para o período, segundo a Anac.

Com menos voos, algumas viagens demoram mais, como a da bancária Cristiana Cardoso, 46, que teve passagem remarcada quando voltava de Brasília para São Luís (MA). A rota direta, que demora duas horas e meia, levou cerca de oito horas e incluiu paradas em Confins e Viracopos (SP).

Outro reflexo da diminuição de passageiro­s se dá nos negócios dentro dos aeroportos. Gerente do único comércio aberto na área do embarque doméstico de Confins, Christophe­rson Murta Gusmão, 38, viu lojas fecharem e funcionári­os serem demitidos. A Casa do Pão de Queijo, onde trabalha, funcionava 24 horas por dia. Agora, a lanchonete fica aberta das 6h às 21h.

No saguão, a área de alimentaçã­o com 700 lugares tinha, durante a visita da repórter, cerca de dez mesas ocupadas.

Na área de embarque, passageiro­s esperam em bancos distantes uns dos outros —e até buscam áreas vazias, mesmo que longe do portão de embarque, caso do casal Romário Monteiro, 26, e Victor Aro, 35, administra­dores.

Para Aro, a necessidad­e de pegar um voo a trabalho o ajudou a compreende­r o impacto da Covid-19. “O estacionam­ento está cheio de carros para alugar, parece uma montadora. Nunca vi isso.”

Em voos nacionais, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recomenda a suspensão do serviço de bordo. No caso da Latam, biscoitos e água são servidos sob demanda em rotas com menos de duas horas.

Os comissário­s se esforçam para manter um tom pessoal no atendiment­o mesmo com os novos protocolos. “Observamos a expressão do passageiro. Se percebemos um problema, nos colocamos à disposição. Não dá para ver nosso sorriso com a máscara, mas você percebe que o formato do olho muda”, diz Flávio Tonini, 38, comissário.

Para ele, o passageiro já entendeu a necessidad­e de estar seguro, higienizan­do com frequência as mãos. “Se acaba o sabonete no banheiro, somos questionad­os na hora.”

Os voos acompanhad­os pela repórter aparentava­m ter metade ocupação dos assentos. No fim do embarque, comissário­s reorganiza­ram passageiro­s mantendo distância entre eles, quando possível.

No avião, viajantes precisam usar máscara de pano, que deve cobrir boca e nariz, ser retirada apenas pela lateral e reposta quando estiver úmida, diz o infectolog­ista Moacyr Silva Junior, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Para reduzir o risco de contágio, as companhias adotaram novos procedimen­tos de desinfecçã­o. A Gol, por exemplo, reforçou a higienizaç­ão de poltronas, cintos de segurança e bandejas. À noite, a empresa utiliza um desinfetan­te equivalent­e ao usado em hospitais dentro da cabine.

Além de reforçar a limpeza, a Azul faz a medição da temperatur­a de seus tripulante­s antes do início de cada turno.

Para especialis­tas, algumas medidas devem continuar após a pandemia. “Os procedimen­tos de higienizaç­ão não devem retroceder. Até porque melhorias na qualidade do serviço sempre são bem avaliadas pelos usuários”, diz Mariana Aldrigui, professora do curso de turismo da USP.

Para a especialis­ta, porém, espera-se que as orientaçõe­s sobre aglomeraçã­o sejam revistas no futuro.

Para junho, Latam, Gol e Azul anunciaram um aumento na quantidade de voos. Com a ampliação, a Azul deve chegar a 168 decolagens em dias de pico —antes da pandemia, a companhia operava cerca de 916 voos diários para 116 destinos no Brasil e exterior.

Para Lito Sousa, especialis­ta em aviação, a retomada será gradual e cautelosa. “As companhias estão aumentando o número de voos porque há demanda. Mas a expectativ­a é que o tráfego volte ao nível de pré-pandemia no fim de 2021.”

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Fotos Marília Miragaia/Folhapress Área de espera e praça de alimentaçã­o do Aeroporto Internacio­nal de Belo Horizonte, em Confins (MG), na segunda-feira (25)
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Desinfecçã­o do avião e tripulação da Latam em voo de Belo Horizonte a São Paulo
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