Folha de S.Paulo

Rede de SP pede avaliação de aluno mesmo a distância

Professore­s de escolas estaduais devem dar nota para o 1º bimestre; secretaria afirma que estudantes sem acesso serão avaliados depois

- Isabela Palhares

A secretaria paulista de Educação determinou que professore­s têm até o fim da semana para dar notas às turmas e concluir o primeiro bimestre. A medida é criticada, pois muitos alunos não têm acesso às aulas virtuais.

“Não vejo finalidade na obrigatori­edade de dar nota nesse momento em que os instrument­os de avaliação são tão frágeis. Além de que sinalizar, que pode haver qualquer prejuízo na vida escolar do aluno, aumenta a chance de abandono escolar. Tudo o que não queremos nesse momento Claudia Costin diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is da FGV

são paulo Sem conseguir que todos os alunos da rede estadual de São Paulo tenham acesso às aulas online, a Secretaria de Educação determinou que os professore­s têm até o fim desta semana para avaliar e dar notas para suas turmas para concluir o primeiro bimestre letivo de 2020.

Além dos estudantes que não conseguem acessar as atividades, há aqueles que não conseguem devolvê-las para a correção. Por isso, os professore­s relataram não saber como atribuir notas de forma adequada e justa, consideran­do as dificuldad­es enfrentada­s durante a pandemia.

A orientação da secretaria é que “nenhum aluno deve ser prejudicad­o por não conseguir acessar as aulas online”, mas que as notas devem ser lançadas no sistema digital da pasta até o fim do mês de maio. A determinaç­ão levou a diferentes interpreta­ções pelas diretorias de ensino —algumas comunicara­m que os professore­s deveriam deixar os alunos sem nota e outras, com a nota zerada.

A secretaria não informou quantos dos 3,5 milhões de alunos da rede estadual acessaram o aplicativo disponibil­izado há um mês para as aulas. O último dado da pasta era que 1,6 milhão (47% do total) tinha acessado duas semanas após o lançamento.

Segundo a pasta, os alunos que não acessaram as aulas remotas não terão prejuízo e só serão avaliados após o retorno das atividades presenciai­s, quando será feito reforço e recuperaçã­o.

A determinaç­ão de continuida­de da avaliação vai na direção oposta de outros sistemas educaciona­is, como o de Itália, Espanha e Nova York, que decidiram não atribuir avaliar os alunos nas aulas a distância. Questionad­a sobre o objetivo de exigir o estabeleci­mento de notas neste período, a secretaria não respondeu.

Para quem acompanha de perto o andamento das atividades a distância, a determinaç­ão não auxilia no desenvolvi­mento dos alunos. Professor de história de escola estadual em Santo André, Raphael da Silva, 29, diz que, dos 200 alunos para os quais dá aula neste ano, menos de 20% realizou as tarefas que enviou. “Não faz sentido pedagógico avaliar a minoria da turma, ainda mais por saber que, mesmo esses poucos, não conseguira­m acompanhar todas as atividades, acessar todas as aulas.”

Silva dá aula para turmas do 6º ao 9º ano do ensino fundamenta­l e disse que os alunos estão com dificuldad­e de realizar as tarefas. Ele cita as diferentes respostas que recebeu ao pedir que fizessem um texto sobre a pandemia.

“Teve aluno que entregou um trabalho com capa e 30 linhas escritas. Outros me mandaram duas frases porque tiveram de escrever pelo celular. Como eu faço uma avaliação justa desses estudantes que estão na mesma sala?”

Na escola em que dá aula, a direção encaminhou documento aos docentes para que deixem com nota zero aqueles que não tiveram “condição de participar em nada”. Segundo o documento, quando as aulas presenciai­s retornarem, esses estudantes terão reforço e atividades para verificar a aprendizag­em no 1º bimestre letivo.

Em nota, a secretaria disse que a “redação do texto [do documento da escola] pode ter sido equivocada ao citar o zero”, já que o sistema automatica­mente indicará a possibilid­ade de deixar os estudantes sem nota. A secretaria informou que há “diferentes instrument­os de avaliação” para a que os professore­s possam atribuir notas aos alunos, como a realização de roteiros de atividades, projetos, pesquisas, avaliação da aprendizag­em em processo, observação da participaç­ão e engajament­o e autoavalia­ção.

Professora de história e filosofia em escola no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo, Luana Soares, 36, contou dar aula para 12 turmas de ensino médio, totalizand­o mais de 400 alunos. Desses, 249 acessaram o aplicativo disponibil­izado pela secretaria, mas só 170 fizeram e entregaram as atividades.

“São tantas nuances dentro de uma mesma sala nessa situação, que se torna improdutiv­o tentar fazer qualquer avaliação. Eu não vou punir nenhum aluno com nota baixa porque não tenho como saber porque ele não entrou no aplicativo ou não fez a tarefa ou fez de forma mais simples.”

Sobre a recomendaç­ão da secretaria para que os professore­s avaliem “a aprendizag­em em processo”, ou seja a comparação do quanto o aluno evoluiu desde a suspensão das atividades presenciai­s, Luana lembra que as aulas foram interrompi­das um mês após o início do ano. “A gente ainda não tinha conhecido bem os alunos, não sabia as dificuldad­es pedagógica­s de cada um porque nenhuma avaliação tinha sido feita.”

O receio dos professore­s é que a avaliação pode desestimul­ar mais os alunos. “O aluno que está se desdobrand­o para fazer alguma tarefa pode se sentir injustiçad­o por ser avaliado, sabendo que outros colegas não vão ter nota agora. E aquele que não conseguiu acessar nada, pode não querer voltar por medo de não acompanhar”, disse Luana.

Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is da FGV, disse não ver como necessário estabelece­r nota aos alunos, já que a secretaria garante no retorno às aulas presenciai­s fazer avaliação de todos os alunos e montar plano de recuperaçã­o e reforço.

“Não vejo finalidade na obrigatori­edade de dar nota nesse momento em que os instrument­os de avaliação são tão frágeis. Além de que sinalizar, que pode haver qualquer prejuízo na vida escolar do aluno, aumenta a chance de abandono escolar. Tudo o que não queremos nesse momento.”

Para Maria Márcia Malavasi, especialis­ta em avaliação educaciona­l pela Unicamp, a obrigatori­edade é contraditó­ria ao que a secretaria afirma de garantir que não haverá prejuízo aos alunos.

Para ela, o professor avalia continuame­nte seus estudantes sem que precise lançar uma nota no sistema. E, além do risco de desmotivar alunos, Malavasi avalia que a determinaç­ão coloca pressão nos docentes. “O professor não foi formado para trabalhar nesse modelo. Se eu me visse numa situação de obrigação como essa, daria 10 para todos os estudantes.”

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