Folha de S.Paulo

Mãos dadas pela democracia

Cartilha sobre medidas legais orienta jornalista­s ameaçados ou agredidos

- Felipe Santa Cruz e Pierpaolo Cruz Bottini Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Advogado, professor de direito penal da USP e ex-secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça (2005-2007, governo Lula)

Desde os primórdios do Estado brasileiro, a relação entre o governo e a imprensa é cercada de desconfian­ça e não raro de agressões mútuas. É comum que governante­s expressem desconfort­o diante da postura ácida, dura e às vezes injusta de veículos de comunicaçã­o —que, em certas ocasiões, em busca de atenção, criam falsos heróis, massacram inocentes e reforçam estereótip­os e preconceit­os.

Não há problema quando tal incômodo é manifesto em críticas públicas, fazendo ele mesmo parte da liberdade de expressão. Mas quando extrapola em medidas institucio­nais de repressão, atos de censura, ameaças ou violência, por parte de qualquer dos Poderes, deve ser combatido.

Infelizmen­te, nossa história revela a alta frequência dessa última opção. José Bonifácio, já nos primórdios do Estado independen­te, promovia devassas contra repórteres que não comungavam com seus ideais. Floriano Peixoto defendia o arcabuzame­nto de autores de escritos sediciosos. Getúlio Vargas fechou jornais, e o caso Herzog ilustra o tratamento que jornalista­s recebiam em recentes e tristes tempos.

A Constituiç­ão de 1988 garantiu a liberdade de expressão, mas seu exercício ainda encontra dificuldad­es. Insultos, difamações, organizaçã­o de milícias digitais para agressões variadas, ameaças e violência fazem parte do cotidiano de jornalista­s, não apenas nos grandes centros, mas em especial nas pequenas comunidade­s e no interior do país.

Nesse último caso, nem sempre o profission­al de imprensa tem conhecimen­to sobre como agir diante de truculênci­as privadas ou institucio­nais. São milhares de homens e mulheres, em todo o Brasil, que lidam diariament­e com ameaças expressas ou veladas pelo simples fato de exercerem uma profissão.

Por isso, a OAB —por meio de seu Observatór­io de Liberdade de Imprensa— e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigat­ivo) lançaram uma cartilha sobre medidas legais de proteção aos jornalista­s, em evento no qual ministros do

STF, o procurador-geral da República e profission­ais de imprensa debateram o papel e a importânci­a da comunicaçã­o. Trata-se de um documento para orientar jornalista­s ameaçados ou agredidos, com um manual sobre como agir, registrar queixas, denunciar violências, identifica­r autores de ofensas virtuais e acompanhar investigaç­ões policiais.

Nadine Gordimer afirmava que a democracia não é algo que aconteça uma só vez na vida, mas precisa ser aprendida a cada dia. A cartilha é uma contribuiç­ão para esse aprendizad­o, é um primeiro passo para uma parceria entre advogados e jornalista­s em defesa de um espaço seguro para a liberdade de expressão.

O direito à informação prestada por uma imprensa livre é o sustentácu­lo da democracia. A exposição de fatos, denúncias, informaçõe­s e críticas é a matéria sobre a qual se constrói a cidadania. Não há sociedade civil organizada sem informação. E não há informação séria e verdadeira sem liberdade de imprensa.

Mesmo que a voz da mídia às vezes soe estridente ou injusta, o simples fato de ela existir é a garantia de que nenhum governo passará sem critica ou controle. Independen­temente da posição ideológica ou política, todos devemos ter um compromiss­o com a liberdade de comunicaçã­o.

Calados os jornalista­s, restarão o silêncio e a incapacida­de de denunciar violações mais graves à liberdade de manifestaç­ão e de pensamento.

Mesmo que a voz da mídia às vezes soe estridente ou injusta, o simples fato de ela existir é a garantia de que nenhum governo passará sem critica ou controle. (...) Calados os jornalista­s, restarão o silêncio e a incapacida­de de denunciar violações mais graves à liberdade de manifestaç­ão e de pensamento

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