Folha de S.Paulo

Entenda o inquérito do Supremo contra fake news e conheça os pontos polêmicos

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Quais os últimos desdobrame­ntos ligados ao inquérito?

A Polícia Federal cumpriu 29 mandados de busca e apreensão nesta quarta-feira (27) no chamado inquérito das fake news, que apura ofensas, ataques e ameaças contra ministros do STF. Políticos, empresário­s e ativistas bolsonaris­tas estão entre os alvos.

Policiais buscaram provas nos endereços do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, do dono da Havan, Luciano Hang, e de assessores do deputado estadual paulista Douglas Garcia (PSL).O foco é um grupo suspeito de operar uma rede de divulgação de notícias falsas contra autoridade­s, além de quatro possíveis financiado­res dessa equipe.

Como tem sido o trâmite do inquérito?

Reportagem do UOL mostra que o STF tem desmembrad­o o inquérito remetendo pedidos de investigaç­ões de casos concretos à PF em uma manobra para colocá-los dentro do rito processual normal e tentar fazer com que tenham prosseguim­ento em ações na Justiça. O desmembram­ento já ocorreu em ao menos cinco casos no país. No entanto, em dois deles, aos quais o UOL teve acesso, o Ministério Público Federal e a Justiça de primeira instância rejeitaram a manobra e mandaram arquivar as investigaç­ões da corporação antes das conclusões. Os procurador­es alegam “vício de origem” — quando os inquéritos não poderiam ter sido abertos.

O que pensa a PGR sobre o inquérito?

O procurador­geral da República, Augusto Aras, afirmou não ver nulidade no inquérito e disse ser contra o arquivamen­to da apuração, como defendeu sua antecessor­a, Raquel Dodge. “A doutrina registra que não há nulidade de inquéritos, desde que a autoridade que promove o inquérito tenha competênci­a [atribuição] para produzi-lo e haja, minimament­e, indícios da existência de delito. O inquérito poderia ser aberto pelo próprio STF, pela autoridade policial, pelo Ministério Público”, afirmou Aras à Folha.

Sobre o arquivamen­to pedido por Dodge, Aras disse: “Não posso ignorar o dever de apreciar os fatos, buscando a verdade real, para efeito de, sendo o caso, adotar as medidas cabíveis”.

Em abril do ano passado, Dodge, enviou ao STF um ofício no qual afirma que suspendeu o inquérito.

Para ela, como o Ministério Público é o único órgão com legitimida­de para levar adiante uma acusação, caberia a ele decidir se arquiva ou se dá continuida­de ao caso. Em outra manifestaç­ão, no âmbito de uma ação ajuizada pela Rede, a então procurador­a-geral afirmou que as buscas e apreensões foram indevidas, uma vez que os alvos tinham o direito de criticar os magistrado­s. Dodge defendia que a investigaç­ão é inconstitu­cional, violou o devido processo legal e feriu o sistema acusatório, segundo o qual o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.

E o que fez o STF a respeito da decisão de Dodge?

Alexandre de Moraes, relator do inquérito, disse que a manifestaç­ão da PGR não tem amparo legal. Para ministros e juristas, a palavra final sobre um inquérito cabe ao juiz, não ao Ministério Público. Moraes decidiu mantê-lo.

O que diz a lei?

Pelo

Código de Processo Penal, o arquivamen­to passa pela avaliação do juiz (artigo 28). O regimento interno do STF diz que é atribuição do relator determinar a abertura ou o arquivamen­to de um inquérito quando a Procurador­ia assim requerer (artigo 21). Dodge afirmou que, em casos em que o Ministério Público aponta a impossibil­idade de abrir ação sem violar o processo legal, só resta ao juiz determinar o arquivamen­to.

O que pode acontecer?

Uma ação da Rede questiona a investigaç­ão, e o caso deveria ser levado ao plenário a pedido do relator, Edson Fachin. O julgamento, porém, não tem prazo para ocorrer. Em setembro passado, por exemplo, o inquérito foi usado para justificar a ordem de Moraes para ação de busca e apreensão pela PF em endereços ligados a Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, em Brasília.A medida ocorreu após Janot ter declarado à imprensa a intenção de assassinar o ministro Gilmar Mendes em 2017. Janot contou à Folha e a outros veículos que, numa ocasião, foi armado ao tribunal com a intenção de matar Gilmar e suicidar-se.

O que a Rede questiona?

A ação afirma que o inquérito desrespeit­ou o ordenament­o jurídico. Para o partido, o Ministério Público, como titular da ação penal, deveria conduzir a investigaç­ão junto com a PF. O órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga, sustenta. A sigla também questiona o artigo do regimento interno do STF usado por Toffoli para justificar a abertura do inquérito, afirmando que só cabe à corte determinar investigaç­ão sobre crimes cometidos na sede ou nas dependênci­as do tribunal. Na interpreta­ção de Toffoli, os ataques aos ministros configuram ataques à corte. Outro argumento da Rede é que o inquérito não tem um objeto definido, cabendo quaisquer fatos que Moraes queira investigar. O partido contesta ainda o fato de Toffoli ter dado a relatoria a Moraes sem um sorteio.

Quais as chances de o inquérito se transforma­r em ação penal?

Para que isso aconteça, é preciso que o Ministério Público apresente a denúncia, e a PGR sob Dodge defendia o arquivamen­to. Com Aras, a posição mudou. Moraes também já disse que não caberá à PGR oferecer eventuais denúncias. As provas coletadas deverão ser enviadas para membros do Ministério Público que atuam na primeira instância no local onde os supostos crimes tenham sido cometidos.

PONTOS QUESTIONAD­OS Ato de ofício

Toffoli abriu o inquérito sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Segundo o STF, porém, há um precedente: investigaç­ão aberta de ofício pela Segunda Turma no ano passado para apurar o uso de algemas na transferên­cia do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB).

Competênci­a

A investigaç­ão foi instaurada pelo próprio Supremo, quando, segundo críticos, deveria ter sido encaminhad­a ao Ministério Público. O argumento é que o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.

Relatoria

O presidente da corte designou Moraes para presidir o inquérito, sem fazer sorteio ou ouvir os colegas. Assim, Moraes é quem determina as diligência­s.

Foro

O que determina o foro perante o STF é quem cometeu o delito, e não quem foi a vítima. Para críticos, a investigaç­ão não deve correr no Supremo se não tiver como alvo pessoas com foro especial. Moraes disse que, localizado­s os suspeitos, os casos serão remetidos às instâncias responsáve­is.

Regimento

Toffoli usou o artigo 43 do regimento interno como base para abrir a apuração.

O artigo diz que, “ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependênci­a do tribunal, o presidente instaurará inquérito”. Críticos dizem que os ataques pela internet não ocorrem na sede, mas Toffoli deu uma interpreta­ção ao texto de que os ministros representa­m a corte.

Liberdade de expressão

Moraes pediu o bloqueio de redes sociais de sete pessoas considerad­as “suspeitas de atacar o STF”. A decisão foi criticada por ferir o direito à liberdade de expressão. O mesmo pode ser dito sobre a censura, depois derrubada, aos sites da revista Crusoé e O Antagonist­a.

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