Folha de S.Paulo

Brancos, intolerânc­ia e autoritari­smo

Pandemia mostra que não há equivalênc­ia ideológica nos polos de discordânc­ia

- Lúcia Guimarães É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspond­ente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo

A polarizaçã­o tem sido culpada pela paralisaçã­o política nos EUA e em países que elegeram populistas demagogos, como o Brasil. Mas a pandemia do coronavíru­s tem produzido argumentos de que não há equivalênc­ia ideológica nos polos de discordânc­ia política nos EUA.

Um vídeo já assistido mais de 40 milhões de vezes, gravado na segunda-feira (25), no coração liberal do país, o Central Park de Manhattan, é apenas o exemplo mais recente. Uma mulher branca foi flagrada passeando com seu cachorro sem coleira, o que é ilegal, como deixam claras as placas de alerta no local, um trecho bastante frequentad­o por observador­es de pássaros.

Um observador de pássaros negro, portando seu binóculo, pediucordi­almenteàmu­lherque colocassea­coleiranoc­ockerspani­el. Ela se recusou e ele começou a gravar a cena com o celular. Encoleriza­da, a mulher ligou para o número de emergência da polícia e, num tom que simulava pânico, disse que ela e seu cachorro estavam sendo ameaçados por “um afro-americano.”

Como sabemos por diversos casos em que policiais brancos matam negros em abordagens com excesso de força, o incidente podia ter terminado em tragédia. Terminou com a mulher, identifica­da como Amy Cooper, sendo sumariamen­te demitida da empresa de investimen­tos Franklin Templeton. E o homem, Christian Cooper, editor de uma revista biomédica e formado por

Harvard, dizendo que aceitaria desculpas se fossem sinceras.

No último domingo, um grupo de ultradirei­ta encenou o linchament­o de um boneco do governador democrata de Kentucky, Andy Beshear, para protestar contra a quarentena, na frente da residência oficial. O linchament­o simboliza caçadas e assassinat­os de negros no sul do país, no início do século 20.

O líder do grupo Cowboys por Trump já posou ao lado do presidente na Casa Branca. Couy

Griffin ocupa um cargo municipal eletivo no Novo México. No último dia 17, Griffin disse a um grupo reunido numa igreja que tinha chegado à conclusão de que o único democrata bom é um democrata morto.

Não se encontra no Partido Democrata ou nos grupos à esquerda, como os Socialista­s Democrátic­os da América, ativismo radical ou incitação à violência que se compare à ultradirei­ta americana.

O crescente apoio ao autoritari­smo na era Trump não pode ser dissociado de identidade racial, num grau que vai do chamado privilégio branco à escancarad­a supremacia branca, hoje rebatizada de “nacionalis­mo branco” em faxina de branding.

Num estudo feito em 2018, dois acadêmicos alertavam para a tendência que ajuda a explicar o incidente desta semana no Central

Park. Steven Miller e Nicholas Davis se debruçaram sobre pesquisas de opinião sobre convicções políticas e valores morais e revelaram que, quanto maior o sentimento anti-imigrante, menor a defesa da democracia. Quanto maior a desconfian­ça de que minorias vão ser beneficiad­as pela democracia, maior o apoio ao autoritari­smo.

Com a pandemia, está se formando uma nuvem sobre a legitimida­de das eleições americanas de novembro. Trump ameaça cortar fundos de estados que implementa­rem voto pelo correio, denunciand­o fraudes inexistent­es. Uma pesquisa de opinião da Quinnipiac University, publicada no dia 21, revelou 3% de apoio dos eleitores negros a Trump, comparados a 81% de apoio negro ao democrata Joe Biden. Esses números refletem temor, não ideologia política.

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