Folha de S.Paulo

Realidades educaciona­is como o menor acesso de negros à web precisam ser conhecidas

- Cida Bento Diretora-executiva do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualda­des), é doutora em psicologia pela USP

Aprender sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira, bem como a indígena, é uma conquista inscrita na lei maior da educação brasileira, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), alterada pelas leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que oferecem ao país uma oportunida­de de saber mais sobre si próprio e sobre sua rica diversidad­e favorecend­o a equidade de raça e gênero.

Pudemos constatar essa possibilid­ade em 2013, por ocasião dos dez anos de implementa­ção da referida lei, quando analisamos o acervo de 3.000 práticas pedagógica­s e de gestão de seis edições do prêmio Educar para a Igualdade Racial e sde Gênero, do Ceert, com abrangênci­a de 1.100 municípios.

Identifica­mos iniciativa­s para recuperar e valorizar a trajetória, a memória e as lutas da população negra, expressas na arte, na matemática, na geografia e na história e materializ­adas por meio de revistas, livros, roupas, peças teatrais e brinquedos exibindo a riqueza da contribuiç­ão negra à sociedade brasileira.

Professora­s e gestoras destacaram, como impacto do trabalho coletivo realizado, a diminuição da evasão escolar, a melhoria no Ideb (Índice de Desenvolvi­mento da Educação Básica) da escola e que crianças e adolescent­es saíram dos projetos mais comunicati­vos e com a autoestima fortalecid­a.

Nesse cenário, podem diminuir as reprovaçõe­s, abandono e evasão escolar, que são e sempre foram maiores para crianças e adolescent­es pobres e negros.

A evasão escolar de crianças negras, que Fúlvia Rosemberg sempre chamou de expulsão escolar por revelar um sistema inóspito para a pluralidad­e cultural que caracteriz­a o Brasil, desdobra-se em dificuldad­es de inserção qualificad­a no mundo do trabalho, fortalecen­do as conexões entre desigualda­des de classe, raça e os processos da escolariza­ção básica.

Em abril de 2020, foi publicada pesquisa do IBGE que revela que famílias com menor renda e menor nível de escolarida­de são aquelas com menor acesso à internet, e, dentre as principais razões apontadas, encontram-se o fato de considerar­em o acesso à rede caro e o fato de não saberem utilizá-la.

Além disso, o número de pessoas negras com acesso à internet exclusivam­ente por celular é considerav­elmente maior que o de brancos, que podem lançar mão de dispositiv­os muito melhores para assistir a aulas, pesquisar e fazer tarefas.

Em tempos de pandemia, quando o acesso digital tem se revelado importante para o ensino a distância, o percentual de alunos de escolas públicas sem acesso à internet é dez vezes maior do que o percentual de alunos da rede privada, segundo a Pnad 2019.

Essa e outras realidades educaciona­is do Brasil precisam ser conhecidas, analisadas e transforma­das em busca de uma educação verdadeira­mente para todos e todas.

Nesse contexto, o edital Equidade Racial na Educação Básica é uma ação estratégic­a para fortalecer e apoiar financeira­mente projetos de pesquisa aplicada e reconhecer artigos científico­s que defendam e contribuam para o avanço de uma educação básica de qualidade e equânime.

Esse edital focaliza pesquisas e artigos realizados no que chamamos de “chão da escola”, valorizand­o iniciativa­s desenvolvi­das em parceria e cooperação com escolas públicas, em particular aquelas desenvolvi­das por coletivos de pesquisado­res.

As inscrições de pesquisas aplicadas e artigos científico­s estão abertas até 13 de junho no site do Ceert (www.ceert.org. br), realizador do edital, que é uma iniciativa do Itaú Social e tem como parceiros o Instituto Unibanco, o Unicef e a Fundação Tide Setubal.

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