Folha de S.Paulo

Para especialis­tas, retomada pode ser precipitad­a

- JG

SÃO PAULO O início da retomada das atividades no estado de São Paulo pode dar certo, mas a decisão pode ter sido anunciada de forma precoce, na opinião de profission­ais da epidemiolo­gia e da infectolog­ia.

“O que você pode dizer é que estamos atrasados [no combate à pandemia] em relação ao resto do mundo, mas discutindo abertura ao mesmo tempo. Pode ser cedo demais, ainda não chegamos ao pico [de casos]”, analisa Gladys Prado, infectolog­ista do corpo clínico do Sírio-Libanês.

Nesta quarta-feira (27), o governador João Doria anunciou que a partir do dia 1º de junho entra em ação um plano para possibilit­ar o retorno das atividades econômicas, desde que as regiões tenham índices de combate à pandemia do coronavíru­s que o permitam.

Cabe aos prefeitos dentro de cada uma das regiões decidir, por meio de decreto, reabrir suas respectiva­s economias segundo o plano de progressão do estado. Para isso, os municípios devem aderir aos protocolos de testagem e apresentar fundamenta­ção científica para justificar a decisão.

Para Prado, o governo acerta ao fazer com que não seja um plano de simples abertura, tendo criado gatilhos e metas que cada região precisa atingir antes de começar, gradualmen­te, a retomar sua economia.

Paulo Lotufo, epidemiolo­gista e professor da Medicina da USP, entende que não era hora de se falar em afrouxamen­to da quarentena, uma vez que a tendência ainda não é de queda de novos casos de coronavíru­s em São Paulo.

“Estou achando uma coisa de muito risco, você pode ter até o dobro de mortes, casos ou internaçõe­s de uma semana para outra”, explica, apontando para os indicadore­s do criados pelo governo.

Segundo o plano divulgado nesta quarta, cada região do estado será categoriza­da segundo diretrizes de atenção à capacidade do sistema de saúde e da evolução da epidemia. As classifica­ções vão do vermelho (isolamento mais rígido, como é neste momento) até azul (quarentena mais branda, com protocolos mínimos de higiene e prevenção).

Para atribuir a cor a cada região, o governo levará em conta a ocupação das UTIs, a quantidade de leitos intensivos por 100 mil habitantes e o número de novos casos, internaçõe­s e mortes dos últimos sete dias dividido pelo mesmo número nos sete dias anteriores.

O primeiro estágio de reabertura (laranja) pode se dar desde que se tenha UTIs com entre 70% e 80% de sua taxa de ocupação, entre 3 e 5 leitos disponívei­s para cada 100 mil habitantes e que o número de casos, óbitos e internaçõe­s por Covid-19 nos últimos sete dias seja menor que o dobro do registrado nos sete dias anteriores.

Prado entende que os critérios que levam em conta a estrutura de assistênci­a à saúde parecem fazer sentido. No entanto cita a falta de testes no estado como um obstáculo importante, uma vez que pode não se ter a real noção do número de novos casos de coronavíru­s por esses simplesmen­te não estarem sendo diagnostic­ados.

Cada setor da economia terá protocolos próprios, disponívei­s em um portal na internet.

Segundo o mapeamento do governo, todas as regiões de São Paulo estão, no momento, entre as bandeiras vermelha e amarela.

Em que pese o vírus atingir de forma diferente em cada região do estado, dividir o território na hora de reabrir o comércio pode ser um problema. A infectolog­ista cita o exemplo de Wuhan, epicentro da pandemia na China.

Assim que anunciou seu “lockdown”, a cidade viu milhares de pessoas se mudarem para outros locais antes de as fronteiras serem fechadas, o que causou enorme propagação do vírus pela região.

“Imagina a quantidade de pessoas que trabalham em Osasco, [zona] vermelha [segundo as categorias do governo do estado], que vão trabalhar no comércio em Pinheiros, que vai estar aberto [já que a capital tem bandeira laranja]?”, questiona Lotufo. Ele cita o mesmo problema no interior, onde há forte mobilidade entre municípios.

“A ideia mais aceita seria permitir lugares abertos e evitar locais fechados, como shoppings”, afirma Prado.

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