Folha de S.Paulo

São-paulino nunca tinha ido ao estádio, mas Covid o internou no Pacaembu

Curado da doença, Roseilson Amaro da Silva, 46, passou nove dias no hospital de campanha montado no complexo esportivo de São Paulo

- Bruno Rodrigues

“O dia em que eu estiver bem, quando nossa vida voltar ao normal, eu quero ir a um estádio. E no Pacaembu, só que não como um doente. Eu entrei lá péssimo e saí com outra vida Roseilson Amaro da Silva Motorista

são paulo Roseilson Amaro da Silva, 46, é um dos tantos são-paulinos de sua geração que se acostumou a ver o clube conquistan­do títulos importante­s na década de 1980 e, principalm­ente, na de 1990.

Mas ele viu todo esse período glorioso do São Paulo apenas pela TV. Apesar de morador da capital paulista, o motorista nunca havia pisado em um estádio de futebol. Até que, em abril, foi obrigado a conhecer o Pacaembu.

Ele fazia a barba no banheiro de sua casa quando passou a sentir muito cansaço e quase desmaiou. Convivendo há alguns dias com tosse e febre, além da falta de apetite, a iminência do desmaio foi a senha definitiva para ir ao hospital. De acordo com o médico que lhe atendeu, Roseilson tinha pneumonia, mas também suspeita de Covid-19.

Depois de duas noites internado em um hospital de Perus, zona norte de São Paulo, ele foi transferid­o de ambulância para o estádio do Pacaembu. Lá, no Paulo Machado de Carvalho, recebeu a confirmaçã­o de que havia sido infectado com o novo coronavíru­s.

“Eu estava na Ala S, que era de suspeita. Depois fui para a Ala D, de confirmaçã­o. Foi quando eu passei muito mal, minha saturação [de oxigênio] caiu bastante e colocaram um aparelho em mim para abrir o pulmão e me ajudar a respirar. Eu achei que não iria sobreviver. Fiquei com muito medo”, conta Roseilson, que também é diabético, em entrevista à Folha.

O são-paulino diz que foi bem atendido no hospital de campanha do Pacaembu, que está em funcioname­nto desde 1º de abril, com 520 profission­ais de saúde trabalhand­o no local e capacidade para pouco mais de 200 pacientes.

A tenda de 6.300 m² que abriga a unidade hospitalar foi montada em apenas dez dias e toma toda a área do campo. O acesso das ambulância­s se dá pelo gol do Tobogã.

Até a construção do Morumbi, parcialmen­te inaugurado em 1960, o Paulo Machado de Carvalho era a casa dos grandes jogos do São Paulo. Foi no gramado do estádio municipal, onde atualmente estão instaladas macas e estruturas tubulares, que jogadores como Leônidas da Silva, Antonio Sastre e Zizinho conquistar­am títulos e o carinho eterno dos torcedores tricolores nas décadas de 1940 e 1950.

Hoje, aos 80 anos, o complexo esportivo foi concedido à iniciativa privada.

Após nove dias internado no Pacaembu, Roseilson ganhou alta e foi para casa rever a esposa e os dois filhos, todos corintiano­s.

“Castigo, né”, brinca o motorista, que diz ter colecionad­o ao longo da vida uma série de edições da revista Placar com reportagen­s e pôsteres de alguns dos seus principais ídolos, como Silas, Palhinha e Rogério Ceni.

Em razão do seu trabalho, conta que passou diversas vezes em frente ao Pacaembu e ao Morumbi durante o serviço. Por não gostar de aglomeraçõ­es ou “muvuca”, como diz, sempre evitou ir aos jogos.

“O futebol é bom, todo brasileiro gosta. E no Pacaembu, que tem muita história e não é pouca, o que estão fazendo com o hospital hoje é bacana”, afirma Roseilson.

As últimas semanas foram de recuperaçã­o para ele, que ainda sente um pouco de cansaço quando faz algum esforço. Seu tio, José Lourenço dos Santos, 67, já não teve a mesma sorte. Diagnostic­ado com Covid-19, também chegou a ser internado em Perus, mas morreu vítima da doença.

Roseilson reflete sobre os dias delicados que enfrentou no hospital e a importânci­a dos cuidados até que a pandemia esteja controlada.

O motorista também tem um desejo. “O dia em que eu estiver bem, quando nossa vida voltar ao normal, eu quero ir a um estádio. E no Pacaembu, só que não como um doente. Eu entrei lá péssimo e saí com outra vida.”

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