Ministro eleva patamar da guerra, mas dá munição a Bolsonaro
Ao longo das últimas semanas, interlocutores do presidente Jair Bolsonaro ouviram repetidas vezes o presidente da República dizer que iria afrontar diretamente uma ordem do Supremo Tribunal Federal.
Quase o fez em 4 de maio, quando encasquetou a ideia de renomear Alexandre Ramagem para a Polícia Federal, na semana seguinte à proibição da medida pelo Supremo —a corte validara liminar de Alexandre de Moraes.
Foi demovido, mas a ideia permanece, secundada pelo crescente apoio de sua ala militar à leitura de que o STF está desequilibrando a harmonia entre Poderes no país com suas decisões.
Isso já havia sido colocado em nota do ministro Fernando Azevedo (Defesa), mas num momento em que o alvo era Bolsonaro por participar de atos golpistas.
Mas o clima recrudesceu, culminando na nota ameaçadora do general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) na sexta (22), piorada pelo apoio dado pelo general Azevedo.
Aqui pesou uma reação corporativa ao fato de que três generais, Heleno inclusive, tiveram de depor no inquérito do STF sobre as acusações de interferência na PF feitas pelo ex-ministro Sergio Moro.
Mesmo que um deles seja da ativa, estão em exercício de funções civis. Não há distinção legal a ser feita, como lembram ministro da corte.
Nesta quarta (27), Alexandre de Moraes voltou ao centro do palco com a operação sobre acusados de perpetrar fake news. O ministro, que divide com o decano o alvo pintado na testa por bolsonaristas nesses dias, há meses trabalha no inquérito.
O tema apavora o bolsonarismo, basta ver a radicalidade das reações dos afetados em rede social, a começar por Carlos, o filho vereador do presidente que coordena atividades digitais da família —o dito gabinete do ódio.
Moraes é conhecido pela rapidez e dureza nas ações, abrindo brechas a críticas, como no caso à censura que impôs a uma revista digital
Como dizem outros ministros do STF, o magistrado acredita no poder do “baculejo” como dissuasão. A lassidão moral usualmente vista em valentões da internet convida ao experimento, argumentam.
Assim, dois ativistas que foram gritar ameaças em frente à sua casa acabaram presos. E, nesta quarta, foi desencadeada uma barulhenta etapa de sua investigação, que desembocará na primeira-família.
Se é óbvio que a operação é fruto de uma apuração que vem do ano passado, é inescapável a leitura de que sua deflagração um dia após a operação da PF contra o governador Wilson Witzel (PSC-RJ) é um recado político do STF.
O presidente foi dormir ontem negando ter feito a troca na PF do Rio para mirar no chefe estadual, seu adversário. Assim como no caso das fake news, a investigação já estava em curso, mas a sucessão de eventos que a antecederam a carimbou como suspeita em sua tempestividade.
Se Moraes quis mostrar que haveria resposta à altura, pode também ter fornecido munição para Bolsonaro.
Isso porque o argumento da oportunidade política poderá ser usado por bolsonaristas. A diluição do fantasma de uma PF como Stasi ou Gestapo ocorre, uma vez que são policiais federais os que trabalham a serviço de Moraes.
Claro, de perto as coisas não são tão simples. Moraes manteve as equipes que trabalhavam no caso, blindando-as. E o sinal dado para Bolsonaro foi claro: se ele quer guerra, terá guerra.
Cabe lembrar também que a corte irá ter um novo presidente, Luiz Fux, a substituir Dias Toffoli. O atual titular é conhecido por buscar acomodação frequente com o Planalto; o próximo na fila é das fileiras lava-jatistas do Supremo.
Se a percepção da população acerca dos mecanismos de combate à corrupção for a de que ações obedecem ao “timing” político, o descrédito às acusações estará garantido.
Nada disso é novo, exceto o contexto. Ações que acompanham o biorritmo da política ocorrem no Brasil desde sempre, e ganharam estado da arte sob a Lava Jato de Moro.
Mas o preço que se arrisca a pagar numa guerra entre Poderes é o da vitória, ironicamente, de fake news sobre fatos. Esta é a disputa agora.