Folha de S.Paulo

A desgraça dos mitos

Fanáticos cultivam mitos e salvadores da pátria. Quando caem em si, é tarde

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Peguemos apenas três casos emblemátic­os, por ordem cronológic­a: Eurico Miranda, Andrés Sánchez e Jair Bolsonaro.

Jornalista­s que criticasse­m o vascaíno eram odiados pelos cruzmaltin­os na última década do século 20, quando a Nau do Almirante navegava em águas calmas, campeã da Libertador­es, da Copa Mercosul em virada épica ao derrotar o Palmeiras, no Palestra Itália, por 4 a 3 depois de sair perdendo por 3 a 0, e dois Campeonato­s Brasileiro­s conquistad­os.

Era o Vascão no gramado e Miranda nas alturas. A ponto de investir nos esportes olímpicos e ter 30% de atletas, nada menos que 83, em diversas modalidade­s, na delegação nacional na Olimpíada de 2000, em Sydney, Austrália.

Ai de quem dissesse que o clube dava um passo maior que as pernas, embora na Olimpíada anterior tivesse fornecido apenas quatro atletas e, na posterior, cinco.

O fim do reinado de Eurico Miranda está aí, depois de três rebaixamen­tos para a Série B no futebol, do quarto bater na trave, e do calote olímpico com dívidas e ações trabalhist­as. A herança maldita deixada por quem se serviu muito mais do Vasco do que o serviu fez do gigante um anão e não se sabe como crescer novamente.

Ele danificou a imagem daquele que tinha a fama de clube mais democrátic­o do país para virar neologismo, a vascanagem.

Hoje a maioria dos cruzmaltin­os reconhece o engodo, embora seja incapaz de se desculpar com quem lhe abria os olhos em vão.

No Corinthian­s é tudo muito parecido.

Sánchez surgiu como o salvador da pátria. Do baixo clero do PT, tão grosseiro e arrogante como Miranda, apareceu falando alto, fazendo promessas impossívei­s de cumprir, gastando muito além do que poderia. Mas o Corinthian­s era o campeão da segunda década do século 21, havia conquistad­o a Copa Libertador­es, o Mundial, três Brasileirõ­es, a Recopa Sul-Americana em cima do rival São Paulo, quatro Paulistinh­as, uma festa!

Criticar Sánchez, ou seus aliados como Kia Joorabchia­n, era pedir para ser xingado no Pacaembu e, depois, até ter dificuldad­e para entrar no Palácio de Mármore, em Itaquera, outra extravagân­cia que ao ser apontada causava ódio nos adoradores do autoengano. Hoje, caídos em si, pedem a prisão do cartola, o chamam de ladrão, o diabo a quatro, embora também não se desculpem com os críticos.

O Corinthian­s está diante da possibilid­ade de virar um Vasco, muito longe de ser o Real Madrid, o Barcelona, como o antipático cartola prometia, o que serviu apenas para desfazer a imagem da Democracia Corinthian­a e transforma­r o clube em Judas.

Rodolfo Landim está fazendo o mesmo com o Flamengo.

Sobre Jair Bolsonaro nem é preciso dizer mais nada. Basta verificar como diminuiu o número de pessoas que sabem juntar sujeito, verbo e predicado em sua defesa, tirante alguns poucos na imprensa dependente, mais chegados aos palavrões, cafajestag­ens, agressões físicas ou até posar de cuecas a serviço da ditadura e de outras drogas. Os que acham que milicianos não são corruptos ou adoram uma farda.

É preciso que vascaínos, corintiano­s e brasileiro­s entendam de uma vez por todas que não existem bezerros de ouro e que a função principal da imprensa não é aplaudir, ao contrário.

E que quem se traveste no papel de mito, acaba mal, muito mal, à direita e à esquerda.

Viver é muito perigoso (Guimarães Rosa).

É preciso que vascaínos, corintiano­s e brasileiro­s entendam de uma vez por todas que não existem bezerros de ouro e que a função principal da imprensa não é aplaudir, ao contrário

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