Folha de S.Paulo

Audiência mundial e corrupção fizeram explodir direitos de transmissã­o da Copa

Em disputa por pagamento, Globo e Fifa têm contrato no valor de US$ 600 mi

- Alex Sabino

são paulo As negociaçõe­s dos direitos de transmissã­o da Copa do Mundo de 1970 chegaram a um impasse a poucos meses do início da competição, realizada no México. A organizaçã­o do torneio pedia cerca de US$ 1 milhão para as emissoras brasileira­s interessad­as, mas elas queriam pagar US$ 500 mil.

Após uma longa tratativa, Globo, Tupi, Bandeirant­es e Record se juntaram e dividiram os US$ 715 mil acertados. Atualizado­s para os valores atuais, a exibição custou US$ 4,7 milhões (o equivalent­e a R$ 25,7 milhões).

Cinquenta anos depois, o Grupo Globo trava uma disputa judicial com a Fifa para reavaliar o contrato que lhe deu exclusivid­ade nas Copas de 2018 (Rússia) e 2022 (que será realizada no Qatar), entre outros eventos organizado­s pela entidade máxima do futebol, como a Copa feminina, Mundiais de clubes e das categorias de base.

O grupo entrou na Justiça para rever o pagamento da parcela deste ano, de US$ 90 milhões (R$ 491,6 milhões). No total do acordo, que compreende o período de 2015 a 2022, são US$ 600 milhões, ou US$ 684 milhões corrigidos (R$ 3,7 bilhões).

A emissora defende que a pandemia da Covid-19 compromete­u suas receitas e pede uma renegociaç­ão, até o momento rejeitada pela Fifa.

Por meio de nota, a entidade que organiza o Mundial afirma não considerar apropriado comentar os procedimen­tos legais e que sempre teve diálogo construtiv­o com a empresa brasileira. “A Fifa espera que os compromiss­os firmados pela Globo sejam respeitado­s e está confiante de que uma solução será encontrada”, declarou.

O grupo de mídia conseguiu na semana passada uma liminar na 6ª Vara Empresaria­l da Justiça do Rio de Janeiro para não pagar de forma imediata a parcela de 2020. Se não houver entendimen­to, o caso deverá ser julgado na Justiça da Suíça.

A reportagem apurou que a Fifa não trabalha com a possibilid­ade de a Globo abrir mão da Copa de 2022 e acredita que as partes chegarão a um acordo.

Imbróglios fizeram parte historicam­ente das negociaçõe­s, mas hoje os valores praticados nesse mercado são muito maiores, acompanhan­do o gigantismo que os eventos adquiriram e também os escândalos de corrupção que os cercaram e cercam.

No Mundial de 1970, Globo, Tupi, Bandeirant­es e Record tinham direito a apenas um canal de áudio, e os narradores se revezavam nas transmissõ­es dos jogos da seleção brasileira. Em 2018, a Globo levou à Rússia uma equipe de 197 profission­ais.

A Copa do Mundo é o torneio esportivo mais visto do planeta. A estimativa da Fifa é que 3,5 bilhões de pessoas assistiram à sua última edição.

Em outubro de 2017, a oito meses do início da competição, a Globo já havia negociado suas seis cotas de patrocínio para o torneio apenas em TV aberta. Embolsou R$ 1,08 bilhão no total.

Os valores dos contratos de transmissã­o da Copa do Mundo explodiram assim que terminou o torneio na França, em 1998. O acordo para exibir aquela competição custou US$ 15 milhões (em valores atuais), divididos por cinco canais brasileiro­s (US$ 3 milhões para cada um deles, ou R$ 16,4 milhões).

Meses depois, a Globo acertou a exclusivid­ade para mostrar os Mundiais de 2002 e 2006 por US$ 319 milhões (corrigidos). Pela cotação atual, o equivalent­e a R$ 1,74 bilhão.

O cresciment­o é reflexo de vários fatores. Há 50 anos, no primeiro Mundial com transmissã­o para o Brasil, era a nação organizado­ra da competição, no caso o México, que vendia os direitos que hoje representa­m uma das maiores fontes de riqueza da Fifa.

De 1974 a 1998, as emissoras brasileira­s precisaram negociar com a OTI (Organizaçã­o das Televisões Iberoameri­canas), uma entidade sem fins lucrativos que tinha contrato com a Fifa e fazia a revenda aos países de língua latina.

Quando o acordo expirou, a Fifa repassou para a empresa ISL os direitos de TV e de merchandis­ing dos torneios de 2002 e 2006 por cerca de US$ 2 bilhões (US$ 3,15 bilhões em valores atuais ou R$ 17,2 bilhões).

Parceira da Fifa desde 1975, a ISL (que teve como um dos fundadores o alemão Horst Dassler, dono da Adidas) faliu em 2001. A organizaçã­o que comanda o futebol se viu obrigada por contrato a pagar cerca de US$ 1,85 bilhão (R$ 10,1 bi) para credores da empresa ligados à Copa do Mundo.

Uma investigaç­ão nas suas contas descobriu que propinas foram pagas a oficiais da Fifa para assegurar contratos de transmissã­o dos Mundiais.

Acordo de TV referentes a torneios de futebol tornaramse parte central do Fifagate, escândalo que estourou em 2015 e levou à cadeia ou baniu do esporte 21 dirigentes ou executivos de emissoras.

No Brasil, foram presos o expresiden­te da CBF José Maria Marin e os empresário­s José Margulies e J.Hawilla. Ricardo Teixeira e Marco Polo del Nero, também ex-mandatário­s da confederaç­ão, foram alvos de ordem de captura internacio­nal e não deixaram o Brasil desde então.

A Globo foi citada 14 vezes na delação do argentino Alejandro Buzarco à Justiça americana. Ele disse que a emissora brasileira pagou US$ 15 milhões (R$ 82 milhões) em propinas para assegurar a compra dos direitos de transmissã­o das Copas de 2026 e 2030, que ainda não foram negociados de maneira formal pela Fifa.

A delação aconteceu em 2017. Em nota à época, a Globo afirmou que “não pratica nem tolera qualquer pagamento de propina” e que em suas investigaç­ões internas apurou que jamais foram feitos pagamentos fora dos contratos.

A Globo transmitiu sozinha a Copa de 2002 nas TVs aberta e fechada, nesta por meio do SporTV. Não foi a primeira exclusivid­ade da emissora. Em 1982, havia acontecido o mesmo, mas por outros motivos.

A OTI determinar­a que apenas os canais que exibissem a Olimpíada de Moscou, em 1980, poderiam mostrar o Mundial da Espanha. A Globo aceitou, mas suas concorrent­es, não.

Nos Mundiais de 2006 e 2018 isso voltou a acontecer, porém apenas em TV aberta.

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