Folha de S.Paulo

Por visibilida­de na crise e orçamento, prefeitos rejeitam adiar eleição

Alteração de data do pleito municipal foi proposta ao TSE por médicos, cientistas, juízes e acadêmicos do direito

- José Marques

são paulo Beneficiad­os pela exposição que ganharam na pandemia, mas com medo de chegar ao fim do ano com rombo nos cofres públicos, prefeitos têm contrariad­o recomendaç­ões de especialis­tas de diversas áreas e pressionad­o a Câmara a não mudar as datas das eleições municipais deste ano, previstas para 4 (primeiro turno) e 25 de outubro (segundo turno).

A alteração foi proposta ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por médicos infectolog­istas, cientistas, juízes e acadêmicos do direito. Na semana passada, o Senado aprovou PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que adia as votações para 15 e 29 de novembro.

No entanto, a discussão foi barrada na Câmara por lobby de prefeitos que tentam se reeleger ou eleger um sucessor. Com a máquina administra­tiva nas mãos, os gestores municipais receiam que o adiamento abra espaço para adversário­s, sobretudo com previsão de possíveis perdas no FPM (Fundo de Participaç­ão dos Municípios).

Eles também viraram alvo constante de autoridade­s como o Ministério Público, que questiona doações e propaganda feitas em período préeleitor­al.

Oficialmen­te, entidades que representa­m prefeitura­s como a CNM (Confederaç­ão Nacional de Municípios) dizem defender que não haja eleição neste ano e que o mandato dos prefeitos seja estendido —proposta que tem sido descartada tanto pelo Legislativ­o como pelo Judiciário.

“Para os municípios, a atual pandemia provocou queda abrupta de receitas de impostos e transferên­cias constituci­onais. Todas estão com desempenho muito ruim neste momento“, diz um manifesto lançado pela entidade.

Nos bastidores, deputados têm sido procurados por prefeitos para que a eleição seja mantida em 4 de outubro.

O temor da falta de dinheiro faz sentido no contexto histórico das eleições. Muito antes da pandemia, os prefeitos já saíam com vantagem sobre os adversário­s na corrida pela reeleição e costumavam aumentar os gastos públicos em caso de risco de derrota.

“A probabilid­ade de reeleição está fortemente correlacio­nada com a expansão do gasto público”, diz um estudo de 2004 da Consultori­a Legislativ­a do Senado.

Na pandemia, essa vantagem sobre adversário­s se fortaleceu ainda mais em diversos lugares do mundo.

“Há algumas exceções, evidenteme­nte. Mas, em geral, a aprovação dos chefes do Executivo em todos os níveis cresceu com o início da pandemia”, diz Graziella Testa, doutora em ciência política pela USP e professora da EPPGFGV (Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas).

Segundo ela, com a data das eleições mais distante do período mais grave da pandemia, o cenário pode se tornar desfavoráv­el para eventuais candidatos à reeleição.

O advogado eleitoral Renato Ribeiro concorda. Ele aponta que os prefeitos “ganharam grande exposição na pandemia”, atuaram de forma mais coordenada que o governo federal, e “a própria crise proporcion­ou maior exibição, sejam pelos canais oficiais da prefeitura, seja pela mídia”.

“Acontece que, quanto mais adiante forem realizadas as eleições, menos viva na memória estará a condução do combate à pandemia e mais premente estarão os efeitos econômicos, especialme­nte desemprego e fechamento de empresas, devido ao agravament­o da crise”, afirma ele.

“Historicam­ente, situações de desemprego e crise econômica favorecem a oposição”, acrescenta Ribeiro.

Integrante­s da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), questionam as intenções dos prefeitos. “Já havia um grupo de prefeitos defendendo, por uma questão oportuníst­ica e casuística, uma prorrogaçã­o de mandato, mas a sociedade civil se organizou porque prorrogar mandato é contra a democracia”, diz o advogado Marcelo Weick, coordenado­r geral da Abradep. “Como ficou inviável a prorrogaçã­o, eles começaram a defender a manutenção pela data do 4 de outubro.”

Para ele, defender a data atual é “um risco muito grande”, já que o adiamento também servirá para a Justiça Eleitoral adaptar as eleições ao cenário da pandemia, com treinament­o de mesários, organizaçã­o das zonas eleitorais e obtenção de equipament­os de proteção individual. Eventuais picos de contaminaç­ão durante esse período, diz Weick, poderiam levar à responsabi­lização de prefeitos na Justiça.

A advogada Gabriela Rollemberg, secretária-geral da Abradep, afirma que os prefeitos temem deterioraç­ão financeira até o fim do ano, que os force, por exemplo, a atrasar ou parcelar o salário de servidores, afetando a imagem desses políticos.

“Da mesma forma, em alguns municípios há uma tendência de aumento de infectados e mortos, o que traria prejuízos à gestão”.

Rollemberg teme que o atraso na votação pela Câmara faça a discussão sobre extensão dos mandatos voltar à pauta. “Seria um precedente gravíssimo. Você estaria suprimindo um direito constituci­onal”, diz. “Não dá para o Congresso substituir o eleitor e definir que esses mandatário­s ficarão mais dois anos no poder.”

Para aprovar o adiamento das eleições, líderes partidário­s e o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) conversara­m para buscar uma saída depois que o centrão, pressionad­o pelos prefeitos, passou a se opor à mudança das datas.

No início da crise do novo coronavíru­s, o governo federal garantiu, por quatro meses, que prefeitura­s e governos estaduais não teriam perdas no Fundo de Participaç­ão dos Municípios e no FPE (fundo dos estados), que transferem dinheiro da União para prefeitos e governador­es, apesar da forte queda na arrecadaçã­o federal.

Líderes da Câmara, porém, estão discutindo a ampliação dessa garantia até o fim do ano, como moeda de troca para a realização dos dois turnos das eleições municipais em novembro.

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Agência Senado 23.jun.20 Davi Alcolumbre em sessão do Senado, na semana passada, que aprovou adiar para novembro os dois turnos da eleição

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