Irã vê Jair Bolsonaro como ‘homem pragmático’
brasília Para o novo embaixador do Irã em Brasília, Hossein Gharibi, 51, o alinhamento cada vez mais forte do Brasil com os EUA não é impeditivo para que os dois países ampliem suas relações comerciais.
Gharibi, que assumiu o posto em abril, diz que seu país tem interesse em áreas como as indústrias automotiva e aeronáutica, mesmo durante a pandemia do coronavírus, e que as sanções impostas pelos EUA não são um problema para os negócios com o Brasil.
“Já conversei com o presidente [Jair] Bolsonaro e encontrei um homem pragmático. Acredito que dois países que trabalham juntos não precisam concordar 100%. Países têm afinidades, mas também diferenças. Temos de priorizar as afinidades”, disse o embaixador à Folha.
Em junho, o número de mortes no Irã voltou a ser de mais de 100 por dia, de acordo com a OMS. Por quê? Também por razões econômicas, como no Brasil?
Por um lado, você tem políticas para garantir a segurança e a saúde das pessoas. Por outro, a pressão econômica não é algo que o governo possa suportar. É difícil.
No nosso caso, iniciamos as medidas de restrição em março para que terminassem em abril, mas continuaram em abril e maio. Para nós, não seria possível suportar mais porque nós estamos também sob sanções dos Estados Unidos.
O serviço de saúde no Irã é gratuito, mas não conseguimos estender mais a restrição, houve muita pressão sobre o governo. Então começamos um distanciamento inteligente, com medidas específicas para cada setor e para cada uma das 31 províncias.
As relações comerciais entre Brasil e Irã são baseadas hoje no comércio de milho, soja e açúcar, pelo lado do Brasil, e ferro, aço e fertilizantes, pelo lado iraniano. Há ambiente para diversificar esses negócios?
Certamente. A indústria automotiva é muito importante. Vocês são um dos maiores fabricantes de avião no mundo, a indústria farmacêutica é importantíssima. Ouvi falar que as startups fazem bons negócios por aqui. Em breve abriremos em São Paulo um escritório da Câmara de Comércio Irã-Brasil, já em atividade em Teerã.
Sobre aviões, praticamente em todos os países, a maior parte do transporte aéreo não está operando. Dizem que 90% das aeronaves estão no pátio e não creio que haja um mercado no mundo até ao menos 2022, 2023. Mas o Irã é um comprador.
Mesmo agora? Mesmo agora. Temos falta de aviões no Irã e, logo após o JCPOA [sigla em inglês para Plano de Ação Conjunto Global, acordo internacional acerca do programa nuclear iraniano firmado em 2015 entre Irã e União Europeia], nós tínhamos contratos com a Airbus e a Boeing para comprar 140 aeronaves.
Recebemos algumas, mas, por causa das sanções, as outras não vieram. Então, precisamos de muitos aviões, especialmente os menores, para 100, 150 passageiros.
Como a visão que o Irã tem do Brasil mudou desde o governo Lula até agora?
Não tenho como fazer essa comparação. Respeitamos a democracia no Brasil, então qualquer governo eleito por seu povo é o parceiro certo para nós. Temos relações de mais de 117 anos.
Governos chegam com diferentes perspectivas e orientações tanto no Irã como no Brasil. Trabalhamos em pontos comuns. Já conversei com o presidente Bolsonaro e encontrei um homem pragmático. Acredito que dois países que trabalham juntos não precisam concordar 100%. Temos de priorizar as afinidades.
O Brasil está bastante alinhado aos EUA. Em que grau isso impede negócios entre Brasil e Irã?
As sanções são claras para todos: são injustas, unilaterais e violam resolução do Conselho de Segurança [da ONU], que todos os membros devem seguir. Infelizmente os EUA não seguem regras que eles mesmos criaram. Todos deveriam repensar a situação. Hoje é o Irã [sob sanções], amanhã podem ser outros países, até mesmo o Brasil, se alguém nos EUA não gostar de alguma política brasileira.
No início do ano, o Irã convocou a encarregada de negócios do Brasil depois que o governo expressou apoio aos EUA na “luta contra o flagelo do terrorismo” após a morte do general iraniano Qassim Suleimani. Como esse apoio poderia ter afetado a relação entre nossos países?
Não vou falar sobre este caso, mas há algo que precisa ser dito: 2014 foi um ano muito sensível para a região. Se não fosse por ele [Suleimani] e pelos iranianos que sacrificaram suas vidas para impedir que o Estado Islâmico conquistasse mais cidades, talvez hoje teríamos um país chamado Estado Islâmico de Qualquer Coisa.
Sentimos na pele o que é o terrorismo, especialmente em relação a esse grupo. Então, o general Suleimani e sua tropa foram fundamentais para nos garantir a segurança vital para a região. Devemos muito a ele e isso explica milhões de pessoas homenageando-o em suas cerimônias fúnebres em 48 grandes cidades da região.
É muito comum o discurso do governo americano sobre a relação do Irã com milícias na região. Como o sr. responde a essa acusação?
Se você der uma olhada no mais recente Relatório Anual sobre Terrorismo do Departamento de Estado [dos EUA], há um certo método em como a situação do terrorismo é avaliada em cada país. Mas, quando se chega ao Irã, não se segue o padrão. Consideramos terrorismo apenas como uma etiqueta que pode ser usada pelo governo americano contra seus adversários, contra os países de que não gostam.
“As sanções são claras para todos: são injustas, unilaterais e violam resolução do Conselho de Segurança [da ONU], que todos os membros devem seguir. Infelizmente os EUA não seguem regras que eles mesmos criaram
O Irã, como muitos países do Oriente Médio, é alvo de preconceito no Ocidente. Como enfrentar esta situação?
Infelizmente, a mídia tem um papel importante, nem todos são independentes. Quem viajou ao Irã, quem conhece as pessoas, quem falou com autoridades tem visão diferente. Esperamos poder mostrar a real imagem do país. O Irã é um país paz e amor. Nos últimos 200 anos, não invadimos nenhum país, mas fomos alvo de ataques e invasões.