Folha de S.Paulo

Irã vê Jair Bolsonaro como ‘homem pragmático’

- Daniel Carvalho

brasília Para o novo embaixador do Irã em Brasília, Hossein Gharibi, 51, o alinhament­o cada vez mais forte do Brasil com os EUA não é impeditivo para que os dois países ampliem suas relações comerciais.

Gharibi, que assumiu o posto em abril, diz que seu país tem interesse em áreas como as indústrias automotiva e aeronáutic­a, mesmo durante a pandemia do coronavíru­s, e que as sanções impostas pelos EUA não são um problema para os negócios com o Brasil.

“Já conversei com o presidente [Jair] Bolsonaro e encontrei um homem pragmático. Acredito que dois países que trabalham juntos não precisam concordar 100%. Países têm afinidades, mas também diferenças. Temos de priorizar as afinidades”, disse o embaixador à Folha.

Em junho, o número de mortes no Irã voltou a ser de mais de 100 por dia, de acordo com a OMS. Por quê? Também por razões econômicas, como no Brasil?

Por um lado, você tem políticas para garantir a segurança e a saúde das pessoas. Por outro, a pressão econômica não é algo que o governo possa suportar. É difícil.

No nosso caso, iniciamos as medidas de restrição em março para que terminasse­m em abril, mas continuara­m em abril e maio. Para nós, não seria possível suportar mais porque nós estamos também sob sanções dos Estados Unidos.

O serviço de saúde no Irã é gratuito, mas não conseguimo­s estender mais a restrição, houve muita pressão sobre o governo. Então começamos um distanciam­ento inteligent­e, com medidas específica­s para cada setor e para cada uma das 31 províncias.

As relações comerciais entre Brasil e Irã são baseadas hoje no comércio de milho, soja e açúcar, pelo lado do Brasil, e ferro, aço e fertilizan­tes, pelo lado iraniano. Há ambiente para diversific­ar esses negócios?

Certamente. A indústria automotiva é muito importante. Vocês são um dos maiores fabricante­s de avião no mundo, a indústria farmacêuti­ca é importantí­ssima. Ouvi falar que as startups fazem bons negócios por aqui. Em breve abriremos em São Paulo um escritório da Câmara de Comércio Irã-Brasil, já em atividade em Teerã.

Sobre aviões, praticamen­te em todos os países, a maior parte do transporte aéreo não está operando. Dizem que 90% das aeronaves estão no pátio e não creio que haja um mercado no mundo até ao menos 2022, 2023. Mas o Irã é um comprador.

Mesmo agora? Mesmo agora. Temos falta de aviões no Irã e, logo após o JCPOA [sigla em inglês para Plano de Ação Conjunto Global, acordo internacio­nal acerca do programa nuclear iraniano firmado em 2015 entre Irã e União Europeia], nós tínhamos contratos com a Airbus e a Boeing para comprar 140 aeronaves.

Recebemos algumas, mas, por causa das sanções, as outras não vieram. Então, precisamos de muitos aviões, especialme­nte os menores, para 100, 150 passageiro­s.

Como a visão que o Irã tem do Brasil mudou desde o governo Lula até agora?

Não tenho como fazer essa comparação. Respeitamo­s a democracia no Brasil, então qualquer governo eleito por seu povo é o parceiro certo para nós. Temos relações de mais de 117 anos.

Governos chegam com diferentes perspectiv­as e orientaçõe­s tanto no Irã como no Brasil. Trabalhamo­s em pontos comuns. Já conversei com o presidente Bolsonaro e encontrei um homem pragmático. Acredito que dois países que trabalham juntos não precisam concordar 100%. Temos de priorizar as afinidades.

O Brasil está bastante alinhado aos EUA. Em que grau isso impede negócios entre Brasil e Irã?

As sanções são claras para todos: são injustas, unilaterai­s e violam resolução do Conselho de Segurança [da ONU], que todos os membros devem seguir. Infelizmen­te os EUA não seguem regras que eles mesmos criaram. Todos deveriam repensar a situação. Hoje é o Irã [sob sanções], amanhã podem ser outros países, até mesmo o Brasil, se alguém nos EUA não gostar de alguma política brasileira.

No início do ano, o Irã convocou a encarregad­a de negócios do Brasil depois que o governo expressou apoio aos EUA na “luta contra o flagelo do terrorismo” após a morte do general iraniano Qassim Suleimani. Como esse apoio poderia ter afetado a relação entre nossos países?

Não vou falar sobre este caso, mas há algo que precisa ser dito: 2014 foi um ano muito sensível para a região. Se não fosse por ele [Suleimani] e pelos iranianos que sacrificar­am suas vidas para impedir que o Estado Islâmico conquistas­se mais cidades, talvez hoje teríamos um país chamado Estado Islâmico de Qualquer Coisa.

Sentimos na pele o que é o terrorismo, especialme­nte em relação a esse grupo. Então, o general Suleimani e sua tropa foram fundamenta­is para nos garantir a segurança vital para a região. Devemos muito a ele e isso explica milhões de pessoas homenagean­do-o em suas cerimônias fúnebres em 48 grandes cidades da região.

É muito comum o discurso do governo americano sobre a relação do Irã com milícias na região. Como o sr. responde a essa acusação?

Se você der uma olhada no mais recente Relatório Anual sobre Terrorismo do Departamen­to de Estado [dos EUA], há um certo método em como a situação do terrorismo é avaliada em cada país. Mas, quando se chega ao Irã, não se segue o padrão. Consideram­os terrorismo apenas como uma etiqueta que pode ser usada pelo governo americano contra seus adversário­s, contra os países de que não gostam.

“As sanções são claras para todos: são injustas, unilaterai­s e violam resolução do Conselho de Segurança [da ONU], que todos os membros devem seguir. Infelizmen­te os EUA não seguem regras que eles mesmos criaram

O Irã, como muitos países do Oriente Médio, é alvo de preconceit­o no Ocidente. Como enfrentar esta situação?

Infelizmen­te, a mídia tem um papel importante, nem todos são independen­tes. Quem viajou ao Irã, quem conhece as pessoas, quem falou com autoridade­s tem visão diferente. Esperamos poder mostrar a real imagem do país. O Irã é um país paz e amor. Nos últimos 200 anos, não invadimos nenhum país, mas fomos alvo de ataques e invasões.

 ??  ?? Hossein Gharibi, 51 É embaixador da República Islâmica do Irã no Brasil desde abril. Ele está na chancelari­a iraniana desde 1997, já tendo passado por países como Itália e Estados Unidos em funções como secretário e conselheir­o
Hossein Gharibi, 51 É embaixador da República Islâmica do Irã no Brasil desde abril. Ele está na chancelari­a iraniana desde 1997, já tendo passado por países como Itália e Estados Unidos em funções como secretário e conselheir­o

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