Folha de S.Paulo

Professor não está pronto para voltar, dizem diretores

Educadores temem falta de estrutura, defasagem e impactos emocionais

- Isabela Palhares

são paulo A maioria dos diretores de escolas brasileira­s avalia que os professore­s não estão preparados para a volta às aulas presenciai­s, que foram interrompi­das pela pandemia do novo coronavíru­s.

Para 57,6% dos diretores de escolas públicas e particular­es, as equipes não estão prontas para retomar as atividades presenciai­s por causa da infraestru­tura das unidades, da defasagem de aprendizad­o pelo ensino remoto, da adaptação às novas regras de isolamento e dos impactos emocionais da quarentena.

Os dados são de pesquisa feita pela Nova Escola com 9.500 professore­s —367 deles gestores escolares— da educação básica (da educação infantil ao ensino médio) de todos os estados brasileiro­s.

Ainda com avanço de casos de coronavíru­s no país, os estados estudam a retomada das aulasprese­nciais. Nenhumdele­s estabelece­u um prazo fixo, mas professore­s e pais dizem não sentir segurança para a volta. Pesquisa do instituto Datafolha mostrou que 76% da população acha que as escolas devem continuar fechadas nos próximos dois meses.

“Quem está no dia adia com os alunos enfrenta uma série de desafios com o ensino remoto e sabe que eles não irão desaparece­r coma volta às aulas. Na verdade, terão ainda outras questões resultante­s da pandemia para lidar”, disse Ana Lígia Scachetti, gerente de conteúdo da Nova Escola.

Segundo a pesquisa, 30% dos professore­s consideram que o ensino remoto está sendo péssimo ou ruim e 33%, razoável. Além disso, 44,9% deles dizem que poucos alunos estão acompanhan­do as atividades a distância.

Os dados ainda mostram a diferença entre as redes e etapas de ensino. Enquanto na rede privada 59% dos docentes dizem registrara participaç­ão da maioria de seus alunos nas aulas remotas, na pública o número cai para 32%.

Nos anos iniciais do fundamenta­l (do 1º ao 5º ano), 47% dizem que a maioria acompanha as aulas. Nos anos finais (do 6º ao 9º ano) e no ensino médio, o índice cai para 38%. A menor participaç­ão é na educação infantil, de 28%.

“O dado da participaç­ão confirma o principal temor dos professore­s, queéa defasagem dos alunos. Como a maioria não conseguiu participar das aulas remotas nesses três meses, eles terão que lidar com turmas muito heterogêne­as”, diz Scachetti.

Professora da rede municipal de Taubaté, Ana Paula Oliveira, 48, conta que, na sala de 5º ano em que dá aula, apenas uma aluna dos 29 da turma fez todas as atividades propostas. “Eles não estão acompanhan­do porque não querem, mas por não terem condições. Por não terem um celular ou internet ou porque o ambiente domiciliar não permite”, diz.

Ela diz sentir muita saudade dos alunos e que gostaria de retomar as aulas para que eles voltassem a aprender, mas teme pela segurança das crianças. “Sei o quanto a escola é importante para eles, não só pelo aprendizad­o. É o lugar onde tem uma refeição completa garantida, onde eles contam sobre os problemas de casa, recebem amor, mas não podemos apressar a volta até que seja seguro”, afirma.

A pesquisa mostra que os professore­s se sentem pouco preparados para lidar com os traumas que os alunos podem ter vivido, como a morte de familiares, o desemprego dos pais e violência doméstica. Os desafios também são vividos pelos docentes.

Os dados mostram que 28% dos professore­s avaliam que sua saúde mental está péssima ou ruim durante a pandemia. Uma pesquisa feita pelo Instituto Península também mostrou que 55,2% dos docentes gostariam de receber apoio psicológic­o.

“As crianças estão vivendo um momento muito difícil e não vamos poder acolhê-las da forma como sabemos fazer, abraçando, ficando próximo dos alunos. A escola vai ser diferente e tenho medo de que se torne um ambiente opressor com todas as novas regras que teremos de ter”, diz Alda Lúcia Carvalho, 49, professora de educação infantil em Rio das Pedras (SP).

Ela diz que tema precisar ficar todo o tempo chamando a atenção das crianças para que não tirem as máscaras, lavem as mãos ou não encostem nos colegas. Por isso, também diz não sentir segurança no retorno das aulas.

Para Angela Di Paolo, doutora em psicologia escolar e professora do Instituto Singularid­ades, o retorno às aulas terá de contar com estratégia­s para que os professore­s se sintam seguros física e psicologic­amente para que possam acolher os estudantes. Ela diz que a reabertura não deve ser imposta por governador­es ou prefeitos.

“Se os professore­s não sentirem segurança, não vão transmitir isso aos alunos, que consequent­emente não conseguirã­o aprender. A sensação de segurança não se impõe, se conquista. Por isso, a volta precisará ser acordada”, disse.

Em alguns estados, como em São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro e Bahia, sindicatos de docentes já anunciaram que poderão fazer greve caso tenham que retornar às escolas sem segurança. Eles também cobram ações do Ministério da Educação para apoiar financeira­mente estados e municípios a preparar as unidades para a volta dos alunos.

O governo Bolsonaro não destinou ou anunciou novo recurso para educação durante a pandemia. Até o momento, só foram feitos os repasses já previstos.

Para Luciene Tognetta, doutora em psicologia escolar pela USP, as escolas deveriam receber apoio pedagógico e psicológic­o para lidar com os desafios após a pandemia.

“Os professore­s precisarão de preparo para lidar com as questões emocionais que surgiram nesse período e também para que elaborem novas estratégia­s de ensino, que considerem a heterogene­idade das turmas”, diz.

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