Folha de S.Paulo

Empresas apelam a credores para renegociar títulos

Acordos dão a companhias mais prazo e alívio para o caixa, comprometi­do pela pandemia

- Júlia Moura

Representa­ntes de credores relatam alta no número de companhias que, pressionad­as pela pandemia, pedem prazo para pagar debêntures. Adiar amortizaçã­o por três meses ou os vencimento de títulos de 2020 e 2021 são os acordos mais comuns.

são paulo Os efeitos da pandemia de Covid-19 na economia já levaram diversas empresas a renegociar títulos de dívida, alegando dificuldad­e de honrar os pagamentos nos termos acordados na emissão após redução no fluxo de caixa.

Agentes fiduciário­s (representa­ntes dos credores) apontam que, desde março, mais de 100 companhias adiaram prazos no pagamento de debêntures e CRIs (Certificad­os de Recebíveis Imobiliári­os) e mudaram a política de remuneraçã­o, alongando o prazo da dívida ou adiando pagamentos parciais programado­s.

Entre as empresas mais conhecidas estão Rede Bandeirant­es, Intercemen­t (divisão de cimento do grupo Camargo Corrêa), IMC (Internatio­nal Meal Company, das redes KFC, Viena e Pizza Hut), além de Inbrands, dona de marcas como Ellus e Salinas, e Restoque, de Le Lis Blanc e Dudalina.

Outras, como CVC, convocaram debenturis­tas para impedir que declarem o vencimento antecipado da dívida. A empresa fez uma assembleia na sexta-feira, que foi suspensa até que a companhia divulgue os resultados do primeiro trimestre. A nova assembleia deve ocorrer em 7 de agosto.

Debêntures representa­m a maior fatia de títulos corporativ­os no Brasil, com R$ 675 bilhões emitidos, seguidas das notas promissóri­as (R$ 44,9 bilhões). Já o estoque de CRIs soma R$ 77,2 bilhões, segundo dados da Anbima (entidade do mercado de capitais).

“Era esperado. Toda vez que há um cenário de crise, há renegociaç­ão de dívidas. Quanto mais grave a crise, mais forte a renegociaç­ão. Você tem um colapso de geração de caixa e há um risco de não honrar as dívidas”, afirma Ricardo Carvalho, diretor-executivo de Corporates da Fitch Ratings.

“Estamos tendo um forte movimento de renegociaç­ão. Uma execução agora não é benéfica para ninguém. É mais uma questão de tentar se precaver pelo pós-pandemia”, diz Juliano Cornacchia, sócio da Vórtx, agente fiduciário.

As renegociaç­ões mais comuns até o momento são o adiamento de pagamentos de amortizaçã­o ou juros por três meses e dos vencimento­s dos papéis previstos para 2020 e 2021 (quando a companhia precisa devolver o valor do título ao credor). Há também maior tolerância ao endividame­nto da empresa e assim aumento na remuneraçã­o.

“Percebemos um fluxo maior de renegociaç­ão ao mesmo tempo, diferente das crises anteriores. Hoje o impacto é sobre todos os setores, e é muito mais rápido”, diz Viviane Rodrigues, diretora de Agente Fiduciário da Planner.

Ela aponta que as renegociaç­ões são por queda brusca no fluxo de receita ou por preservaçã­o de caixa.

“O investidor e a companhia estão consciente­s do momento e as negociaçõe­s têm sido transparen­tes.”

A maior parte das propostas são de postergaçã­o dos pagamentos, com o total de adiamentos superando 2008 e 2015, segundo Rodrigues.

Já as reestrutur­ações são raras. “É difícil propor reestrutur­ação agora e depois ter que negociar de novo. Empresas estão aguardando definição dos números e cenários.”

No caso da Band, debenturis­tas já aprovaram que os pagamentos inicialmen­te previstos para 11 de agosto sejam feitos em 11 de novembro, com correção pela taxa DI (taxa de juro que acompanha a Selic). A emissora ainda negocia a suspensão no pagamento das parcelas de amortizaçã­o até 2022 e uma nova data de vencimento para as debêntures, em novembro de 2030, alongando o prazo inicial em oito anos.

Procurada, a emissora disse que está se “adequando à nova realidade que hoje muitas empresas enfrentam no Brasil e no mundo” em função do reflexo econômico da pandemia.

A dona de restaurant­es IMC adiou as remuneraçõ­es previstas para setembro deste ano e março e setembro de 2021 para o vencimento das debêntures, em 2025 e 2026.

Como compensaçã­o, a empresa aumentou considerav­elmente o rendimento anual dos papéis: de 1,15% para 4,85% na primeira série emitida e de 1,6% para 5,3% na segunda, ambos acrescidos da taxa DI acumulada no período.

Como tem grande parte das unidades em shoppings e aeroportos, a empresa teve um prejuízo líquido de R$ 46 milhões no primeiro trimestre deste ano, um salto em relação à perda do mesmo período de 2019, de R$ 8 milhões. Em março, demitiu 30% dos funcionári­os e, aos demais, deu férias e suspendeu contratos. A IMC preferiu não comentar a renegociaç­ão.

Em recuperaçã­o extrajudic­ial, a Restoque suspendeu os pagamentos de juros aos debenturis­tas até junho de 2021 e das parcelas das debêntures até junho de 2023. Para pagar os credores, em sua maioria bancos e fundos de investimen­to, a companhia planeja uma nova emissão de debêntures, que pode chegar a R$ 605 milhões, e de ações ordinárias, de, pelo menos, R$ 150 milhões. A dívida, composta quase totalmente pelas debêntures, é de cerca de R$ 1,5 bilhão.

Mauricio Xavier, gestor de crédito privado da Rio Bravo, diz que, para a empresa, é mais simples emitir um novo papel, com juro mais baixo, e pagar antecipada­mente as debêntures que estão na mão dos credores.

Ele aponta que a maior parte das empresas que renegocia já estava com problemas financeiro­s no ano passado e que empresas geralmente buscam outros credores antes de chegar nas debêntures.

A maior parte das debêntures está na mão de bancos (intermediá­rios) e fundos de investimen­to, que repassam os papéis ao pequeno investidor via fundos de renda fixa ou multimerca­do. É o caso da fabricante de armas Taurus, que conseguiu postergar os pagamentos de junho, julho e agosto com um acordo com os bancos credores.

“O adiamento beneficia o caixa da companhia a curto prazo, deixando-o bem mais confortáve­l nesse momento delicado com a pandemia da Covid-19”, afirma Salesio Nuhs, presidente da Taurus.

Ele diz ainda que o adiamento evita que a empresa venda ativos a preços baixos.

O diálogo com bancos torna o processo de renegociaç­ão mais ágil. Eles costumam ter mais de 50% dos votos em assembleia­s e os pleitos das empresas podem ser decididos por maioria simples. Além disso, a realização de assembleia­s virtuais aumentou o quórum de participaç­ões, reduzindo as reuniões infrutífer­as por baixa adesão.

Na renegociaç­ão da Intercemen­t, o Bradesco (também acionista da empresa) e o Banco do Brasil, principais debenturis­tas, aprovaram uma proposta criticada por minoritári­os. A empresa adiou os pagamentos por três meses, sem remuneraçã­o adicional. A companhia também emitiu novas debêntures, no valor de R$ 4,7 bilhões, para o pagamento das dívidas. A Intercemen­t preferiu não comentar.

“As emissões antigas, que captaram com Selic em alta, queriam se financiar em taxas menores e aí veio a quarentena e empresas querem renegociar dívidas para se adequar ao fluxo de caixa reduzido”, diz Cornacchia, da Vórtx.

Já a Inbrands não conseguiu consentime­nto de seus debenturis­tas para adiar os pagamentos de abril, maio e junho para julho.

Foram dez assembleia­s desde 6 de abril sem um acordo para flexibiliz­ar as garantias da emissão e impedir que os credores decretem o vencimento antecipado da dívida.

A empresa saiu de um prejuízo líquido de R$ 27 milhões em 2018 para lucro de R$ 24 milhões em 2019, mas com a queda de vendas na crise do coronavíru­s, o mercado discute a possibilid­ade de um plano de recuperaçã­o judicial.

Procurada, a companhia afirmou que renegocia os papéis devido a alterações de fluxo de caixa. A próxima assembleia de debenturis­tas está marcada para esta segunda-feira (6).

Uma das renegociaç­ões de CRI foi da Cipasa Urbanismo, que vai deixar de pagar a amortizaçã­o nos meses de maio, junho e julho, remunerand­o credores apenas com juros neste período. As parcelas serão pagas em agosto com atualizaçã­o monetária.

A reportagem não conseguiu contato com a empresa.

“Renegociaç­ão não pode ser algo para apenas postergar o problema. O fôlego momentâneo é importante para a empresa, mas é preciso ser feito com cronograma adequado, de acordo com o fluxo de caixa da empresa, para não gerar mais problemas no futuro”, diz Mucio Mattos, sócio da Vectis Capital Solutions.

Risco de calote deve ser considerad­o ao investir

Debêntures e CRIs são tidos por investidor­es como papéis seguros com rendimento maior que títulos públicos, o que levou muitas pessoas físicas a embarcarem neste mercado com a queda da Selic e a criação de debêntures isentas de imposto de renda.

O risco de calote e renegociaç­ão da remuneraçã­o, porém, deve ser levado em conta na hora de investir. Esses títulos de dívida não contam com cobertura do FGC (Fundo Garantidor de Créditos) e raramente têm garantias na emissão, como imóveis e maquinário.

Em casos de recuperaçã­o judicial, títulos de dívida não estão acima de outros débitos e podem ser os últimos pagamentos.

“Sem dúvida, diversas empresas vão ter que ir para reestrutur­ação tanto extra quanto judicial. E, na ordem de renegociaç­ão geralmente é: fornecedor­es, banco, e, depois, debenturis­tas”,diz Mucio Mattos, sócio da Vectis Capital Solutions.

Outro risco desses investimen­tos é a falta de liquidez. Como os papéis são concentrad­os em bancos, o mercado secundário é muito pequeno.

“São indicados para o investidor mais agressivo porque é mais difícil de repassar esse papel. É preciso casar com o investimen­to e confiar que emissor vai cumprir com acordo”, diz José Raymundo de Faria Júnior, planejador financeiro pela Planejar.

O especialis­ta recomenda observar a saúde financeira da empresa e a nota que as agências de classifica­ção de risco dão para a emissão.

“É melhor analisar a qualidade do emissor e não a taxa de retorno”, afirma Faria Júnior.

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