Folha de S.Paulo

‘Avanzar sin transar’

Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale. Escreve às segundas

- Marcus André Melo

A expressão quedá título acoluna foi utilizada por Carlos Altamirano, secretário-geral do Partido Socialista Chileno (PS), e tem sido objeto de intensa controvérs­ia.

Muitos atribuíram-lhe adebac ledo governo Allende. Seguir sem negociar teria resultado em tragédia. Masa expressão capta um dilema crucial das democracia­s presidenci­alistas multiparti­dárias.

O partido presidenci­al —o PS— tinha apenas 10% das cadeiras (15 em 150) na Câmara dos deputados e sua coalizão também era minoritári­a: os sete partidos da Unidade Popular detinham apenas 32%. A ascensão de Allende havia sido viabilizad­a por uma negociação com o maior partido —o partido democrata cristão (PDC)— para a eleição pelo Congresso, entre os dois mais votados — Allende (PS), 36%, e Alessandri (PN), 35%—, já que nenhum candidato obtivera maioria absoluta no primeiro turno.

O apoio do PDC foi obtido através de um Pacto de Garantias Constituci­onales com o PS, pelo qual o presidente se compromete­ria a respeitar artigos específico­s da Constituiç­ão. Coma escaladado conflito, o PDC acusou-o de violar o pacto e foi para a oposição. As relações Executivo-Legislativ­o são pautadas pela “recusa à transação” pelo governo minoritári­o, mas tem elementos universais: o Chileéu ma espécie de laboratóri­o de embates Executivo Legislativ­o. Senão, vejamos.

Em 1922, o impasse presidente-Congresso levou à intervençã­o militar e destituiçã­o de Arturo Alessandri (1920-24), pai do ex-presidente Jorge Alessandri (1958-64), adversário de Allende. E, antes dele, conflito semelhante já ocorrera. Seu desenlace foi o suicídio do presidente —episódio analisado por Joaquim Nabuco em seu “Balmaceda” (1895)— e a adoção do parlamenta­rismo no país por três décadas.

Presidente­s minoritári­os têm duas opções: negociar apoio parlamenta­r e compartilh­ar o poder; ou “avanzar sin transar” —opção maximalist­a.

Bolsonaro tem adotado variantes de ambas as opções. A opção pelo governo de coalizão após 16 meses ocorre quando embarca em um “modo sobrevivên­cia”: tem caráter defensivo e volta-se para a criação de um escudo legislativ­o. Representa uma reação à resposta dos demais poderes e da opinião pública às atribulaçõ­es e estridênci­a que acompanhar­am seu deslocamen­to para um avanzo sin transacció­n. E reflete também a súbita vulnerabil­idade criada pela pandemia, que criou uma lente de aumento sobre o desempenho aberrante do presidente.

O processo de investigaç­ão do clã familiar do qual resultou a saída de Moro também importa. Afinal afastá-lo é parte integral da transação: o centrão não se volta apenas para o rent seeking mas busca também seu próprio escudo legislativ­o.

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