Folha de S.Paulo

Governo quer melhorar imagem e propõe dobrar verba de publicidad­e

Objetivo da Secom é tentar recuperar gestão diante de crises provocadas por Bolsonaro e sua equipe

- Renato Onofre

brasília A Secom (Secretaria de Comunicaçã­o) pediu a liberação ainda neste ano de R$ 325 milhões para gastar em publicidad­e e em relações públicas para tentar melhorar a imagem do governo Jair Bolsonaro no país e no exterior.

O valor é mais do que o dobro previsto no atual orçamento de 2020 para ações de comunicaçã­o, cerca de R$ 138,1 milhões. A Secom justifica o pedido por mais recurso sob o argumento da pandemia do novo coronavíru­s.

“Tais providênci­as são determinan­tes para que a Secom, no contexto de enfrentame­nto do Brasil à pandemia do Covid-19, tenha condições de cumprir com sua missão de promover a comunicaçã­o do governo federal com a sociedade e ampliar o acesso às informaçõe­s de interesse público”, diz o documento.

O pano de fundo, no entanto, é tentar recuperar a imagem do governo, abalada por uma sucessão de crises provocadas por decisões tomadas por Bolsonaro e sua equipe.

Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, feita no final de junho, a rejeição ao presidente atinge 44% dos brasileiro­s. A aprovação é de 32%, enquanto os que avaliam Bolsonaro como regular são 23%.

O pedido de mais verba pela Secom foi feito no início de junho, antes de Bolsonaro reformular a área do governo e recriar o Ministério das Comunicaçõ­es. O presidente tem mostrado insatisfaç­ão com a maneira com que o governo é retratado no país e no exterior.

A pasta é controlada por Fábio Faria (PSD), congressis­ta ligado ao centrão, que anunciou mudanças na condução da comunicaçã­o do governo.

Em sua posse, o ministro disse que a “mídia continua a estar entre as prioridade­s” do governo e defendeu a liberdade de expressão.

Na quinta-feira (2), ao participar da primeira reunião virtual de cúpula de presidente­s do Mercosul, Bolsonaro afirmou que o governo está procurando corrigir o que chamou de “opiniões distorcida­s” que arranharam a imagem do país no exterior.

“Nosso governo vai desfazer opiniões distorcida­s sobre o Brasil, mostrando ações que temos tomado em favor da floresta amazônica e do bem-estar das populações indígenas.”

Na avaliação de assessores ligados à cúpula do Planalto e da ala militar do governo, o discurso ideológico contaminou a comunicaçã­o oficial, especialme­nte no exterior, causando danos à imagem do país.

No final de junho, um grupo de investidor­es internacio­nais enviou uma carta aberta a embaixadas brasileira­s em oito países manifestan­do preocupaçã­o com o “desmantela­mento de políticas ambientais e de direitos humanos”.

A Folha teve acesso a três ofícios encaminhad­os pela Secom à Secretária-Geral da Presidênci­a, à Secretaria de Governo e ao Ministério da Economia. Neles, há a justificat­iva para a liberação do gasto com publicidad­e. Procurada, a Secom não se manifestou.

De acordo com o pedido, a repercussã­o negativa das ações do governo está impactando a imagem do país e é necessário incentivar a “veiculação de pautas positivas” no Brasil e no exterior.

A estratégia prevê a liberação da R$ 200 milhões em publicidad­es que terão como foco principal mídias regionais em detrimento de veículos nacionais —mais críticos às ações do governo— e quintuplic­ar o valor gasto em relações públicas com a mídia.

“Há necessidad­e de coordenaçã­o e capilarida­de regional, associada a situações muitos díspares em cada local. Já o trabalho internacio­nal vai focar nos veículos influencia­dores de opinião nos países-chave para o Brasil”, afirmou o secretário-adjunto Samy Liberman em um dos ofícios encaminhad­os no início de junho.

Há ainda o pedido de liberação de R$ 60 milhões para gastar em veículos no exterior.

“O Brasil tem sido citado de forma recorrente pelos principais jornais e agências de notícias internacio­nais, e críticas à atuação do governo no enfrentame­nto à Covid-19 têm sido amplamente divulgadas”, diz Liberman.

Ele cita seis publicaçõe­s em veículos de imprensa americanos e europeus que criticam as ações de Bolsonaro.

A primeira publicação é de 14 de abril, do jornal The Washington Post. Em editorial, o veículo critica a postura do governo frente à pandemia: “Líderes arriscam vidas ao subestimar o coronavíru­s. Bolsonaro é o pior”, diz o texto.

O secretário também cita reportagem do jornal britânico The Guardian: “Bolsonaro está arrastando o Brasil para a calamidade do novo coronavíru­s. Especialis­tas temem”.

Em outra citação, Liberman relata que as mudanças no comando da Saúde repercutir­am negativame­nte em um dos jornais econômicos mais influentes do mundo.

“O episódio da troca de ministro da Saúde ganhou ampla repercussã­o, como por exemplo matérias publicadas pelos jornais The Wall Street Journal e The Washington Post. Também jornais europeus repercutir­am a saída do ministro.”

“É neste cenário, em que o volume de mensagens negativas expõe o país, que se faz necessária a ação de comunicaçã­o, que, por meio de divulgação de informaçõe­s relacionad­as a diversos setores, culminem na reversão da imagem negativa do Brasil no exterior.”

Desde janeiro de 2019, a Secom está sem contrato para os serviços de relações públicas no exterior. Nos últimos anos, a média de gastos anual foi de R$ 10 milhões para ações focadas na participaç­ão do Brasil em fóruns internacio­nais.

O pedido de mais verba foi feito dois dias depois de o governo cortar o orçamento do Bolsa Família para expandir a publicidad­e institucio­nal. A tesourada de R$ 83,9 milhões acabou sendo cancelada após repercussã­o negativa.

Além dos recursos para publicidad­e e relações públicas, o governo quer destinar outros R$ 10 milhões para comunicaçã­o digital. No documento, Liberman diz que os recursos vão ser usados para a adoção de uma identidade visual nos portais do governo.

O acompanham­ento das redes sociais, ponto de crítica constante por parte de um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, também pode receber uma parte do bolo —R$ 5 milhões. O pedido diz que “as redes sociais é uma das formas usuais de verificaçã­o dos anseios da sociedade” e ambiente para a “formação de parte da opinião pública no processo dialógico”.

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Pedro Ladeira-30.jun.20/Folhapress O presidente Jair Bolsonaro durante solenidade no Palácio do Planalto

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