Folha de S.Paulo

Falta de crédito reduziu proteção a empregos e renda, diz pesquisa

Trabalhado­res de renda média sem acesso a auxílio emergencia­l e sem carteira assinada foram mais afetados pela pandemia

- Ricardo Balthazar

são paulo A falta de crédito para micro e pequenas empresas reduziu o alcance das medidas adotadas pelo governo para preservar empregos e a renda dos trabalhado­res do setor formal da economia na pandemia do coronavíru­s, afirma um grupo de pesquisado­res ligado à USP.

Cálculos feitos pelos especialis­tas indicam que os mais prejudicad­os foram trabalhado­res de estratos de renda média, que não tiveram acesso ao auxílio emergencia­l de R$ 600 pago aos mais pobres e que trabalhava­m em empresas que não conseguira­m mantê-los empregados com a paralisia da economia.

“O governo tomou medidas para ampliar a oferta de crédito, mas ele não chegou a quem mais precisava”, diz o sociólogo Ian Prates, pesquisado­r do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to) e um dos coordenado­res do grupo. “Muitas empresas acabaram demitindo por causa disso.”

Os pesquisado­res estimam que as medidas do governo permitiram um aumento de R$ 40 bilhões na contrataçã­o de empréstimo­s entre março e maio, em comparação com o volume de crédito concedido pelo sistema financeiro entre dezembro e fevereiro, antes do início do estado de calamidade pública.

Embora tenha havido aumento na oferta de crédito, o valor representa apenas 4% do impacto potencial calculado pelo grupo após analisar todas as medidas do governo, incluindo programas de financiame­nto com recursos públicos e liberação de dinheiro para crédito nos bancos.

De acordo com levantamen­to feito pelo Ministério da Economia para a Folha, apenas 17% dos R$ 68 bilhões destinados pelo Tesouro a programas de financiame­nto durante a pandemia foram desembolsa­dos até agora.

Micro e pequenas empresas que tiveram dificuldad­e para obter crédito durante a pandemia apontaram como obstáculos a burocracia para acessar linhas emergencia­is, a exigência de garantias pelos bancos e a obrigação de evitar demissões.

Dados publicados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) na semana passada mostram que há mais desemprega­dos entre os trabalhado­res mais pobres, mas o auxílio emergencia­l os ajudou a preservar a renda que tinham antes da pandemia, dizem os pesquisado­res.

Entre os 30% mais pobres, muitos conseguira­m com o auxílio renda superior à que tinham no ano passado, dizem os pesquisado­res. “Isso pode ter contribuíd­o para que ficassem em casa em vez de buscar trabalho, o que é essencial para evitar a propagação do vírus”, afirma Prates.

Entre os 5% mais ricos da população, poucos ficaram desemprega­dos, e 40% continuara­m trabalhand­o em casa. Nos estratos de renda mais alta, a crise econômica provocou perdas de até 20% na renda domiciliar, calcula o grupo de pesquisado­res.

Nos estratos de renda média, as perdas variaram de 10% a 20%, segundo o grupo. Sem acesso ao auxílio de R$ 600, muitos desses trabalhado­res também não foram beneficiad­os por outros programas emergencia­is, por não ter vínculo formal com o emprego ou não atender outros requisitos.

O grupo de Prates é ligado à Rede de Pesquisa Solidária, que reúne dezenas de pesquisado­res de instituiçõ­es públicas e privadas. Desde abril, eles têm produzido boletins semanais com os resultados.

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