Falta de crédito reduziu proteção a empregos e renda, diz pesquisa
Trabalhadores de renda média sem acesso a auxílio emergencial e sem carteira assinada foram mais afetados pela pandemia
são paulo A falta de crédito para micro e pequenas empresas reduziu o alcance das medidas adotadas pelo governo para preservar empregos e a renda dos trabalhadores do setor formal da economia na pandemia do coronavírus, afirma um grupo de pesquisadores ligado à USP.
Cálculos feitos pelos especialistas indicam que os mais prejudicados foram trabalhadores de estratos de renda média, que não tiveram acesso ao auxílio emergencial de R$ 600 pago aos mais pobres e que trabalhavam em empresas que não conseguiram mantê-los empregados com a paralisia da economia.
“O governo tomou medidas para ampliar a oferta de crédito, mas ele não chegou a quem mais precisava”, diz o sociólogo Ian Prates, pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e um dos coordenadores do grupo. “Muitas empresas acabaram demitindo por causa disso.”
Os pesquisadores estimam que as medidas do governo permitiram um aumento de R$ 40 bilhões na contratação de empréstimos entre março e maio, em comparação com o volume de crédito concedido pelo sistema financeiro entre dezembro e fevereiro, antes do início do estado de calamidade pública.
Embora tenha havido aumento na oferta de crédito, o valor representa apenas 4% do impacto potencial calculado pelo grupo após analisar todas as medidas do governo, incluindo programas de financiamento com recursos públicos e liberação de dinheiro para crédito nos bancos.
De acordo com levantamento feito pelo Ministério da Economia para a Folha, apenas 17% dos R$ 68 bilhões destinados pelo Tesouro a programas de financiamento durante a pandemia foram desembolsados até agora.
Micro e pequenas empresas que tiveram dificuldade para obter crédito durante a pandemia apontaram como obstáculos a burocracia para acessar linhas emergenciais, a exigência de garantias pelos bancos e a obrigação de evitar demissões.
Dados publicados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na semana passada mostram que há mais desempregados entre os trabalhadores mais pobres, mas o auxílio emergencial os ajudou a preservar a renda que tinham antes da pandemia, dizem os pesquisadores.
Entre os 30% mais pobres, muitos conseguiram com o auxílio renda superior à que tinham no ano passado, dizem os pesquisadores. “Isso pode ter contribuído para que ficassem em casa em vez de buscar trabalho, o que é essencial para evitar a propagação do vírus”, afirma Prates.
Entre os 5% mais ricos da população, poucos ficaram desempregados, e 40% continuaram trabalhando em casa. Nos estratos de renda mais alta, a crise econômica provocou perdas de até 20% na renda domiciliar, calcula o grupo de pesquisadores.
Nos estratos de renda média, as perdas variaram de 10% a 20%, segundo o grupo. Sem acesso ao auxílio de R$ 600, muitos desses trabalhadores também não foram beneficiados por outros programas emergenciais, por não ter vínculo formal com o emprego ou não atender outros requisitos.
O grupo de Prates é ligado à Rede de Pesquisa Solidária, que reúne dezenas de pesquisadores de instituições públicas e privadas. Desde abril, eles têm produzido boletins semanais com os resultados.