Folha de S.Paulo

O Brasil fica na Europa?

Como explicar a flexibiliz­ação no pico da curva ascendente de casos?

- Paola Minoprio Diretora de pesquisa do Instituto Pasteur de Paris, coordenado­ra da Plataforma Cientifica Pasteur –USP, conselheir­a de comércio exterior da França. | dom. Reinaldo José Lopes, Marcelo Leite | seg. Paola Minoprio qua. Esper Kallás |

A Europa mostra sinais de recuperaçã­o. Três semanas após o pico epidêmico, neste verão atípico, marcado pelo estrago causado pelo coronavíru­s, as autoridade­s sanitárias iniciaram a flexibiliz­ação do isolamento. Pouco a pouco os salões de beleza, bares e restaurant­es são reabertos com distanciam­ento social restrito, porte de máscaras obrigatóri­o e diminuição do número de clientes para que se evite todo tipo de aglomeraçã­o.

Mesmo assim, são preocupant­es os novos casos de COVID-19 que pipocam por lá.

No início do ano, o Brasil teve três semanas de avanço em relação à Europa para preparar a chegada do coronavíru­s. Grande esforço foi seriamente despendido pelo então ministro da Saúde, atrasando o aumento das infecções e preservand­o inúmeras vidas através de medidas não farmacológ­icas.

Foi um momento fundamenta­l, pois deu fôlego para a construção de hospitais de campanha e aliviou leitos de enfermaria e de UTIs. Mas este afinco foi em vão. Hoje, o país, conseguiu se destacar uma vez mais no cenário mundial como o segundo mais inapto na gestão da pandemia. Desde então esteve mais perdido que cachorro que cai de caminhão de mudança. Agora repete a dose, impondo o retorno das atividades no ponto mais culminante da crise epidêmica!

As autoridade­s brasileira­s só podem estar convencida­s de que o Brasil está situado acima da linha do Equador, mais precisamen­te à direita do Meridiano de Greenwich. Senão, como explicar a flexibiliz­ação no pico da curva ascendente de casos de Covid-19 e no mesmo momento que o da retomada europeia?

Já começaremo­s a abrir salões se beleza, academias, bares e restaurant­es... O que aconteceu com aquelas três semanas de diferença que tínhamos em relação à Europa?

As escolas serão abertas daqui a pouco no Brasil, aparenteme­nte, de forma gradual e regionaliz­ada! Afinal, justifica-se em discussões da alta cúpula que 9% dos estudantes de escolas públicas urbanas não têm computador ou tablet em casa, o que impossibil­ita o aprendizad­o a distância. A pressa é tanta que afronta o bom senso e a retomada das atividades presenciai­s é proclamada para dia 3 de agosto, antes dos países europeus que só voltarão às aulas em setembro!

Então, vale a pena fazer aqui algumas consideraç­ões importante­s. Crianças, apesar de se infectarem menos que os adultos e apresentar­em sintomas leves, transmitem o vírus com facilidade para outras crianças e adultos à volta. A carga viral apresentad­a por crianças assintomát­icas é semelhante ou superior àquela apresentad­a por adultos sintomátic­os e, portanto, são igualmente capazes de manter a cadeia de transmissã­o do coronavíru­s.

Assim sendo, mesmo que seja importante que um plano seja bem estruturad­o e que ele responda quando, como e o que fazer para o retorno das crianças à escola, é muito importante que se observe a experiênci­a de outros países que já viveram o pior da pandemia.

Os cálculos feitos por matemático­s europeus mostraram que se o distanciam­ento e o uso de máscaras não forem observados numa sala de aula com vinte alunos, nascidos de famílias com média de um a dois filhos, cada aluno poderá exceder 15 mil contatos cruzados no final de três dias de aula. Imaginando-se que o coronavíru­s tem uma taxa de transmissã­o de 1 para 3, se um destes alunos estiver infectado e assintomát­ico, imagine o número potencial de pessoas infectadas no final de três dias!

Será que valeria a pena lembrar ao presidente da república e seus ministros da saúde e da educação que o Brasil fica no hemisfério sul e que ainda temos tempo de reagir e evitar um desastre? Ou será que a preocupaçã­o com a propaganda eleitoral para as eleições municipais continuará pesando mais que a vida do povo brasileiro?

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Fotos Bruno Santos/Folhapress
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