Folha de S.Paulo

Gastos federais com educação caem desde 2016

- Paulo Saldaña

brasília Afetados pelo enxugament­o dos recursos da União para a área, os gastos públicos com educação vêm caindo nos últimos anos. De 2016 a 2018, o governo federal reduziu, em valores nominais, R$ 10,5 bilhões de seus dispêndios com o setor, segundo relatório do MEC (Ministério da Educação).

Ao atualizar pela inflação, a redução é de R$ 18 bilhões.

Apesar de ter a maior capacidade de arrecadaçã­o, a União sempre arcou com os menores montantes no financiame­nto, principalm­ente na educação básica.

A situação se intensific­ou nos últimos anos, marcados por crise política e econômica, e inspira maior preocupaçã­o diante dos efeitos da pandemia de coronavíru­s.

A União respondia, em 2016, por 30,3% dos gastos com educação no país. Em 2018, o percentual foi reduzido a 28,1%.

Os dados são do relatório de monitorame­nto das metas do PNE (Plano Nacional de Educação), feito pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is).

Por outro lado, o peso tem ficado maior para os municípios. A participaç­ão das prefeitura­s era de 36,1% em 2016 e fechou 2018 em 40%.

Os dados do relatório sobre gastos em educação vão até 2018, último ano do governo Michel Temer (MDB). Mas deficiênci­as de execução orçamentár­ia do MEC no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro indicam cenário similar.

Os gastos do governo federal em educação foram, em 2018, de R$ 103,6 bilhões. Esse cálculo inclui ações direcionad­as ao setor privado, como o subsídio do Fies, o Financiame­nto Estudantil.

Em 2016, esse recurso somava R$ 114,2 bilhões, o equivalent­e a R$ 122,3 bilhões em valores atualizado­s pela inflação no período. Trata-se de uma queda de 15% ao levar em conta essa correção da inflação.

Por outro lado, os gastos de estados e municípios, responsáve­is pelas escolas da educação básica, ficaram em R$ 257 bilhões em 2018.

O montante era de R$ 254,9 bilhões em 2016, que representa­m R$ 273 bilhões em valores atualizado­s. A variação corrigida indica uma queda de 5%.

“A queda dos recursos da União é visível na educação básica e faz com que programas e ações importante­s tenham redução, como o que incentiva o avanço do número de alunos em tempo integral”, diz Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime, órgão que agrega secretário­s municipais de Educação.

No ano passado, o Brasil registrou 14,9% dos alunos em tempo integral, quase o mesmo de 2018. A meta é de 25%.

O relatório do governo mostra que, ao invés de avançar, o país retrocedeu na questão do financiame­nto.

Os gastos totais com educação representa­vam 5,6% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2016 e passaram a 5,4% em 2018. Esse percentual de 2018 equivale a R$ 368,8 bilhões.

O avanço do orçamento federal da área até 2016 foi impactado pela alta de gastos com o Fies.

Ao levar em conta apenas os gastos em educação pública (sem Fies), o percentual do PIB voltado à educação foi de 5,1% em 2016 para 5% em 2018.

O PNE estipulou em 2014 que, para o país alcançar as metas, os investimen­tos em educação pública teriam de chegar a 10% do PIB até 2024.

Uma meta parcial preconiza 7% em 2019.

“Entendemos que seria importante elevar a destinação de recursos públicos para a educação, principalm­ente ao ensino básico. Entretanto, reconhecem­os a situação fiscal desafiador­a que o Brasil, o que dificulta tal ação”, disse à Folha o secretário-executivo do MEC, Antonio Vogel.

Ainda não há cálculos consolidad­os, comparávei­s aos do relatório, sobre o investimen­to em educação em 2019.

Como a Folha mostrou em junho, 60% dos gastos realizados pelo MEC até abril referem-se a compromiss­os assumidos em 2019 mas não executados, o que significa que parte do dinheiro previsto não chegou de fato à ponta.

O MEC afirmou em nota que o contingenc­iamento, operado no ano passado, perdurou até 21 de novembro de 2019.

“Apenas após essa data o orçamento pôde ser empenhado em sua totalidade”, diz o texto. Mas ações da pasta excluídas do contingenc­iamento também tiveram recursos represados, como o PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola).

Até 20 de dezembro, haviam sido empenhados 52% do orçamento do programa e pagos 49%. O MEC fechou 2019 com o empenho de quase todo o orçamento, mas o executado chegou somente a 56,5%.

Daniel Cara, da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, diz que o orçamento da área ficou praticamen­te congelado desde os cortes de 2015, com Dilma Rousseff (PT), e “virou permanente” com Temer e a aprovação do teto de gastos, que limita o aumento das despesas à inflação.

“As políticas públicas são aquilo que os governos fazem ou optam por não fazer. Assim, não vejo o governo Bolsonaro interessad­o em reduzir os danos arrecadató­rios da pandemia na educação. Pelo contrário, o péssimo desempenho na execução orçamentár­ia de 2019 demonstra que reduzir as políticas educaciona­is é uma opção.”

Levantamen­to da execução orçamentár­ia do MEC em 2020, realizado pela liderança do PSOL na Câmara, indica uma execução de 41% até 30 de junho.

As despesas discricion­árias (que excluem salários) sofrem restrição maior: o custeio está com 35% de execução e os investimen­tos, 10%.

A ampliação do papel da União na educação básica é central na discussão sobre renovação do Fundeb, em tramitação no Congresso.

O principal mecanismo de financiame­nto da etapa vence neste ano, e a gestão Bolsonaro pouco se envolveu no tema.

O fundo reúne parcelas de impostos e recebe uma complement­ação da União para estados e municípios que não atingem o valor mínimo anual por aluno. O complement­o federal é de 10% e o projeto na Câmara o amplia para 20%.

Esse percentual deve ser alcançado de forma escalonada, chegando a 12,5% no primeiro ano de vigência. O plano é votar a emenda constituci­onal na Câmara ainda neste mês.

“Temos problemas históricos na educação e agora estamos somando a isso os efeitos da pandemia”, diz o deputado Bacelar (Pode-BA), presidente da comissão que analisa o tema na Câmara.

Em nota, o MEC defendeu que participa das discussões sobre o fundo e que levanta informaçõe­s e indicadore­s necessário­s à regulament­ação do novo Fundeb, “a fim de viabilizar a operaciona­lização do novo modelo de financiame­nto a partir de 2021, caso a proposta seja aprovada”.

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