Folha de S.Paulo

Canções sobreviver­am à censura e se tornaram símbolos da democracia

- Carlos Bozzo Júnior

são paulo A decretação do AI5 (ato institucio­nal nº 5), em 1968, deu início à fase mais pesada da ditadura militar.

Entre diversas medidas de endurecime­nto do sistema, permitiu-se censurar previament­e manifestaç­ões e obras relacionad­as à cultura, como filmes, peças de teatro e músicas, muitas músicas.

Com justificat­ivas esdrúxulas, censores vetavam total ou parcialmen­te composiçõe­s de artistas.

Contudo, há sempre maneiras de esconder mensagens por meio das palavras, em textos ou letras de música. Era, portanto, um desafio para a criativida­de de compositor­es da música brasileira.

Aos poucos, a censura foi sendo afrouxada. A abertura política começou lentamente em 1974, quando Ernesto Geisel tomou posse. O processo se consolidou no mandato de João Figueiredo, que se estendeu de 1979 a 1985.

Ao longo da ditadura, foram compostas mais de 300 músicas que, de forma mais ou menos velada, criticavam a repressão e o autoritari­smo tacanhos dos órgãos censores criados por governos ditatoriai­s. Estão elencadas no livro “Quem Foi que Inventou O Brasil - vol. 2”, do jornalista Franklin Martins.

Algumas delas se tornaram simbólicas, como “Opinião”, de 1964. Composta por Zé Keti e imortaliza­da por Nara Leão, dava nome ao musical que tecia críticas às injustiças sociais e à falta de liberdade da época e logo se tornou um marco da resistênci­a.

Em 1966, “Disparada”, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, foi vencedora do 2º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, na voz de Jair Rodrigues. A letra reflete, metaforica­mente, o sentimento de aversão de parte da sociedade ao regime militar.

Em 1972, “Pesadelo”, de Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro, retratou o poder nefasto do governo que prendia pessoas de forma arbitrária e, em diversas ocasiões, torturava-as até a morte.

A letra só foi liberada pela censura porque foi colocada em uma pasta de músicas que seriam supostamen­te gravadas pelo cantor Agnaldo Timóteo —temas românticos não eram tão visados.

Chico Buarque foi um dos compositor­es que conseguiam, por meio da poesia, passar mensagens clamando por justiça e democracia.

Entre elas, está “Apesar de Você”, de 1970, na qual o autor previa a vitória da liberdade sobre a ditadura.

Três anos depois, ele e Gilberto Gil compuseram “Cálice”, mas a música parou na censura. Com versos que denunciam nas entrelinha­s os métodos de tortura, a música só foi lançada em 1978.

Em “Pelas Tabelas”, de 1984, Chico retrata o povo “batendo panelas”, vestindo camisas amarelas, clamando pelo direito de votar para presidente. Era a época das Diretas.

Hoje, o grito pela democracia está presente em gêneros como o rap e o samba.

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Zé Keti, Nara Leão e João do Vale em ensaio do espetáculo ‘Opinião’
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Divulgação Arquivo Pessoal Jair Rodrigues em foto de 1965 no teatro Paramount em São Paulo

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