JBS cria concorrência desleal ao não firmar acordo, diz procuradora
são paulo O ambiente fechado, com baixa taxa de renovação doa reuma dinâmica de produção que deixa trabalhadores muito próximos, transformou as unidades frigoríficas em locais propícios à propagação rápida de casos de coronavírus.
Em alguns estados, segundo monitoramento feito pelo MPT (Ministério Público do Trabalho), 30% dos diagnósticos da doença vêm de trabalhadores de frigoríficos. Nos dois primeiros meses soba pandemia, a situação mais graves e concentrava no Sul, principalmente no Rio Grande do Sule no oeste de Santa Catarina.
Depois de firmar acordos com indústrias do setor, que adequaram a produção de 81 frigoríficos (três deles com abrangência nacional), a preocupação dos procuradores do Trabalho se volta à avaliação da subnotificação e da baixa testagem.
Nos TACs (Termos de Ajustamento de Conduta), as empresas se comprometeram em investir em processos mais seguros para os trabalhadores, sob pena de arcar com multas de até R$ 1 milhão em caso de descumprimento.
Entre as maiores, Marfrig, BRF e Aurora aceitaram colocar no papel promessas como reorganizar escalas, garantir distância de um metro entre os trabalhadores da linha de produção, instalar anteparos, fornecer máscaras e protetores faciais.
Elas também se comprometem anão realizara bates extraordinários sem que isso sej anegociado com os sindicatos da categoria. Juntas, essas plantas empregam 170 mil pessoas.
À Folha a gerente-adjunta do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos, procuradora Priscila Dibi Schvarcz, diz que, inicialmente, as empresas resistiram a adotar medidas.
O perfil do trabalho nesses locais, segundo ela, favorece a contaminação rápida dos funcionários. Nas esteiras de corte trabalho é “ombro a ombro”, afirma Schvarcz. Nesse sentido, a situação mais crítica vem das unidades de aves, que têm mais funcionários.
Segundo a procuradora, só a JBS resiste em colocar os compromissos no papel. Essa atitude, diz, cria um tipo de concorrência desleal com as demais empresas do setor. FB
A sra. poderia explicar como é atuação num setor tão particular como o de frigoríficos, que tem muita gente na linha de produção? Qual é o desafio no contexto de pandemia? Nós temos no MPT o projeto de frigoríficos. Há dez anos, ele trabalha com essas questões bem pontuais e específicas. É um setor bastante diferente, com várias especificidades. Existem problemas de ergonomia, como adoecimentos osteomusculares [lesões por esforço repetitivo].
Durante a pandemia, o projeto elaborou, em 31 de março, uma recomendação, antes de decretos estaduais, com medidas de prevenção. Nós acompanhamos os surtos em unidades frigoríficas de outros países, como EUA, e na União Europeia e nos antecipamos.
Em um primeiro momento, houve certa resistência das empresas, que achavam que as medidas eram desnecessárias, exageradas e inexequíveis, mas depois adotaram. Hoje, já temos um arcabouço normativo para o setor.
Firmamos Termos de Ajuste de Conduta com 81 unidades frigoríficas no Brasil, abrangendo 170 mil trabalhadores.
Também ajuizamos ações quando não conseguimos firmar esses acordos. A prioridade sempre é pela resolução acordada, adequada às próprias necessidades da empresa e a partir da realidade local.
Qual é a situação hoje? No Rio Grande do Sul, temos 5.502 casos de Covid-19 somente em trabalhadores de frigoríficos, de 34 plantas. No estado, começamos a firmar acordos com as empresas para testagens em massa. Os resultados são bastante surpreendentes.
Quando aplicados os testes, verificou-se que em torno de 20% a 30% das plantas estavam contaminadas. E muitas pessoas já tinham tido a Covid-19. Ou seja, transmitiram, adoeceram, melhoraram, e ninguém viu.
Os 28 primeiros municípios do Rio Grande do Sul em número de maior incidência de Covid-19 para cada 100 mil habitantes, todos são sede de frigoríficos ou cedem trabalhadores, que têm representatividade muito grande na interiorização da Covid-19.
Temos visto também um crescimento de casos no oeste de Santa Catarina, no oeste do Paraná, em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rondônia e Minas. São os estados onde se verifica o maior número de casos de Covid-19 em frigoríficos.
Há números de outros estados? Não, justamente porque existe muita subnotificação, muita resistência de testagem. Quando falam em 20 casos, na verdade, tem de 200 a 300. É no mínimo dez mais do que se fala inicialmente.
As associações do setor têm dito que o volume de testagem é o que está levando a aparentar que a contaminação é alta nos frigoríficos. Agora, eles começaram com isso. Esses frigoríficos com mais problemas produzem que tipo de carne? Aves e suínos. O que de específico há nesses frigoríficos que torna tudo tão propício a essa propagação
tão rápida? O primeiro fator é a quantidade de trabalhadores nas unidades. Depois, a forma de trabalho, que coloca as pessoas muito próximas. A gente chama esse tipo de linha de produção de trabalho ombro a ombro, porque, efetivamente, eles ficam muito perto.
Mas há, ainda, muitos outros pontos de aglomeração, como embarque e desembarque de veículo, registro de jornada, vestiários, refeitórios, áreas de pausas.
Outro problema, sobretudo nos setores refrigerados, é a baixa renovação de ar. Isso deixa o ar mais viciado.
Além disso, tem o que consideramos a maior falha, é a falta de implementação de medidas de vigilância ativa. Faltam profissionais da saúde, dentro das unidades, para trabalhar na identificação de sintomas e fazer o afastamento precoce desses trabalhadores.
A JBS não assinou nenhum
TAC mesmo? Não, a JBS não acorda. Temos TACs firmados com 81 unidades, e a JBS é a única empresa até agora que não firmou termo de ajuste de conduta.
E não é só a questão de firmar TAC. O Termo de Ajustamento de Conduta é um acordo extrajudicial. A JBS se recusa a firmar até acordos judiciais. Não há nenhum tipo de cooperação com a empresa.
Isso acaba gerando uma concorrência desleal com as empresas? Porque todas as demais firmaram as obrigações e, se descumprirem, concordaram que vão ter que pagar multa. E a JBS não. Eles querem adotar as medidas que eles acham que têm que adotar, da forma como acham e sem punição nenhuma envolvida. É um problema que gera concorrência desleal.
Empresas do setor dizem que fechar unidade traz risco de abate sanitário [sacrificar o animal que não irá para a produção de carne]. Eles têm falado bastante disso. A JBS de Passo Fundo foi a primeira unidade fechada no Brasil por questões da Covid, e não havia ainda debate sobre abate sanitário. O que eles faziam? Deslocavam a produção para outras unidades, porque a JBS tem muitas unidades. A produção não foi afetada.
Quando houve a interdição por parte do Ministério Público Estadual da BRF de Lajeado é que surgiu o debate do abate sanitário. A empresa ficou três dias fechadas. Só. Não chega a ter impacto nenhum em granja, não gera [problema] três dias de paralisação.
Em MS, onde também houve casos em Guia Lopes da Laguna, que é uma cidade pequena, e o surto veio do frigoríficos, o sindicato dos trabalhadores foi à Justiça, mas a unidade não foi fechada sob o argumento de preservar a segurança alimentar. Esse é um outro ponto levantado pelo setor. Argumentam que pode gerar crise de abastecimento. Mas o que é importante destacar: a atividade [frigorífica] é essencial. Parar pontualmente unidades de uma atividade essencial, não é lockdown.
O segundo ponto é que grande parte dessas unidades produz para exportação. Que preservação de mercado interno é essa se toda a produção vai para a exportação?
No caso de Passo Fundo, por exemplo, eles [a JBS] declararam na audiência que 50% da produção é para mercado externo.
Eles querem liberar as atividades de qualquer forma porque o dólar está lá em cima e estão exportando como nunca, pois há várias unidades no mundo parando. Infelizmente, se prioriza a exportação, se prioriza o lucro, em detrimento da saúde do trabalhador.