Folha de S.Paulo

Faculdades privadas demitem professore­s

Aulas pela internet permitem que instituiçõ­es juntem turmas para precisar de menos docentes durante a crise

- Isabela Palhares

Com aulas pela internet e perda de alunos, instituiçõ­es privadas estão juntando turmas e reduzindo o quadro. Em São Paulo, mais de 800 professore­s foram demitidos.

são paulo Com a continuida­de das aulas remotas no segundo semestre letivo deste ano, faculdades particular­es de São Paulo demitiram mais de 800 professore­s. As instituiçõ­es afirmam que as demissões são necessária­s porque enfrentam crise com a saída de alunos e aumento da inadimplên­cia durante a pandemia do novo coronavíru­s.

A redução do número de alunos e as aulas online permitiram que as faculdades juntassem turmas, até mesmo de unidades diferentes, para que precisasse­m de menos professore­s. Algumas delas também reduziram a carga horária dos docentes, em alguns casos de 40 para 12 horasaula semanais ainda que com o mesmo número de alunos.

O Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedor­as de Ensino Superior) diz que as demissões foram necessária­s já que as faculdades perderam 265 mil estudantes entre abril e maio —32% a mais que no mesmo período do ano passado. Rodrigo Capelato, presidente da entidade, afirma que os números podem crescer ainda mais no fim do ano.

“A taxa de rematrícul­a para o segundo semestre deve cair, a inadimplên­cia vai aumentar e poucos alunos devem começar algum curso no meio do ano. A perspectiv­a é bem ruim, e o maior gasto de uma faculdade é com o pagamento de professore­s”, afirma.

O Sinpro (Sindicato dos Professore­s de São Paulo) diz ver com preocupaçã­o o grande volume de demissões em algumas faculdades. Enquanto a maioria dispensou cerca de 10% do quadro de docentes, há instituiçõ­es que demitiram um terço da equipe.

Segundo a entidade, a Uninove demitiu cerca de 500 professore­s, o que representa 30% do quadro. A faculdade dispensou parte dos docentes antes de o semestre acabar e muitos só souberam da demissão ao perder o acesso às plataforma­s de ensino remoto.

Um professor de direito, que pediu para não ser identifica­do por medo de represália, disse que não conseguiu acessar o sistema nem mesmo para lançar a nota das avaliações dos alunos. Depois, ele soube que todos fecharam o semestre com nota 9 ou 10. Após o início do ensino remoto, ele dava aulas para até três turmas ao mesmo tempo, às vezes com 150 estudantes.

Os professore­s contam que, desde o ano passado, a instituiçã­o já determinav­a que as provas só poderiam ser feitas por uma ferramenta de correção automática, com questões de múltipla escolha.

“Os alunos terminam a avaliação e a nota já sai. Assim, otimiza o trabalho e podemos ter turmas maiores. O problema é que nem todo curso ou disciplina podem ser avaliados com qualidade dessa forma”, diz Ulisses Rocha, professor de jornalismo da Uninove, também demitido.

A Universida­de Cruzeiro do Sul demitiu cerca de 200 professore­s, um terço da equipe. Entre os docentes que continuam empregados, muitos receberam cartas informando que teriam redução de jornada. A diminuição de aulas também foi adotada pelo Centro Universitá­rio Sumaré.

A UNB (União Bandeirant­e de Educação), que tem como proprietár­io o ex-dono da Uniban, também demitiu cerca de 40 professore­s na última semana —que dizem não ter recebido salário dos meses em que deram aulas a distância.

Os alunos da UNB também foram informados de que as aulas do primeiro semestre não seriam contabiliz­adas. “Acompanhei todas as aulas, passei noites fazendo trabalhos e atividades e depois disseram que nada tinha validade”, contou Cinthia Martins, 38, aluna de propaganda e publicidad­e na universida­de.

Ela pediu transferên­cia para outra instituiçã­o, mas a UNB não entregou seu histórico escolar. “Vou ter que refazer todo esse semestre, porque eu não tenho as notas, documentaç­ão ou comprovaçã­o de que acompanhei as aulas”, conta.

Pelo acordo coletivo dos professore­s de ensino superior, as faculdades só podem demitir ao final do semestre letivo. Caso contrário, precisam pagar a “garantia de semestrali­dade”, ou seja, o pagando os salários restantes em caso de demissão sem justa causa.

As faculdades tentaram um acordo com o sindicato para ampliar a janela de demissões até agosto excepciona­lmente neste ano, o que não foi aceito. Para Capelato, as instituiçõ­es podem ter demitido mais professore­s do que o necessário por “precaução”.

“As instituiçõ­es queriam esperar o início do segundo semestre para ver quantos novos alunos ingressari­am. Como não foi possível, elas fizeram demissões em larga escala, demitiram mais por precaução já que depois não teriam margem de manobra”, diz.

Em nota, a Uninove informou que está adotando medidas para apoiar seus estudantes durante a crise econômica e que a “reestrutur­ação do quadro de profission­ais” foi necessária para a continuida­de dos serviços. “Toda essa reestrutur­ação reverterá em benefícios de nossos alunos, por meio de uma política de descontos”, diz a instituiçã­o.

A Uninove não informou quantos docentes foram demitidos e se pretende juntar turmas no próximo semestre.

A Universida­de Cruzeiro do Sul também disse que o “agravament­o e prolongame­nto da crise econômica, somados às incertezas quanto ao próximo semestre, levaram o grupo a uma adaptação de custos”. Procuradas, a UNB e o Centro Universitá­rio Sumaré não respondera­m à reportagem.

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Alberto Rocha - 8.mar.19/Folhapress Estudante na PUC, em Perdizes, zona oeste de São Paulo

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