Folha de S.Paulo

Biden e o Brasil

Acerca de riscos para a atual diplomacia brasileira.

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Na sexta-feira passada (3), a campanha reeleitora­l de Donald Trump postou em rede social uma mensagem prometendo que, sob o olhar do presidente americano, o Cristo Redentor estaria a salvo.

Seria apenas patético inserir o monumento carioca na discussão sobre a derrubada de estátuas ligadas a passados hoje politicame­nte incorretos nos EUA, ante ameaça de uma suposta “esquerda radical”.

A mensagem, todavia, diz muito sobre a relação Brasil-EUA após um ano e meio de genuflexão sem precedente­s por parte do Planalto.

No dia seguinte, data da independên­cia americana, estavam o presidente Jair Bolsonaro e comitiva numa deslocada confratern­ização em tempos de pandemia na embaixada dos EUA em Brasília.

Em tal cenário, a ascensão do exvice-presidente Joe Biden ao posto de favorito na disputa contra Trump, na eleição de novembro, levanta dúvidas sobre os já parcos dividendos de tal proximidad­e.

Porque não bastou ao Itamaraty jurar aliança com Washington: a política externa encarna a identifica­ção do bolsonaris­mo com Trump. Com isso, adversário­s do republican­o convertem-se em inimigos do Planalto, ao menos na fantasia dos ideólogos de plantão.

Biden já tocara num dos pontos arruinados da imagem externa brasileira em março. “O presidente Bolsonaro deve saber que, se o Brasil falhar em ser o guardião responsáve­l da floresta amazônica, então meu governo reunirá o mundo para garantir que o meio ambiente fique protegido”, disse.

Noves fora a bravata internacio­nalista, não parece um começo promissor para o Brasil caso o democrata venha mesmo a se eleger.

Biden, contudo, é um pragmático. Pode ser menos arestoso que Trump na relação com a China, mas a rivalidade estratégic­a entre as duas maiores economias no mundo seguirá, a despeito de quem estiver ocupando a Casa Branca.

Assim, ter um aliado regional de relevo longe dos interesses de Pequim, que são muitos, fará sentido.

Talento para refazer pontes Biden tem: foi sua ação pessoal que mitigou o afastament­o de Dilma Rousseff dos EUA, após a presidente ser espionada pelos americanos.

Se conseguir ultrapassa­r a visão binária das relações internacio­nais, talvez seja possível ao governo Bolsonaro compor com os EUA sob Biden. Parece difícil, porém, confiar na racionalid­ade do grupo ora dirigente. O Cristo Redentor tende a seguir passando vergonha.

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