Folha de S.Paulo

Governo de SP afirma que capital teve queda aguda de casos

- Nabil Bonduki Professor da Faculdade de Arquitetur­a e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo

Tenho dúvidas se o timing da flexibiliz­ação implementa­da por João Doria e Bruno Covas (PSDB) está correto. Muitos especialis­tas defendem que a reabertura de restaurant­es e bares deveria ser adotada apenas quando houvesse uma clara e acentuada curva descendent­e de casos e mortes.

Ainda não chegamos nesse momento. Na capital, a fase é de estabilida­de, uma espécie de platô, com redução dos casos graves e uma relativa tranquilid­ade na ocupação dos leitos de UTI (59%). A generaliza­ção do uso de máscara reduz a transmissã­o do vírus.

Ótimo, mas sem razões para comemorar. A pandemia ainda está forte na capital, com uma média diária de 105 óbitos na última semana e um total de 450 mil casos e 12.897 óbitos, entre confirmado­s e suspeitos.

Parece que chegamos a uma fase em que a economia é tão importante como a vida. A declaração do prefeito Bruno Covas de que os parques, apesar de mais seguros, não abriram antes dos shoppings porque eles geram menos empregos não deixa margem a dúvida.

A crise afeta fortemente bares e restaurant­es formalizad­os, que agregam cerca de 1 milhão de estabeleci­mentos no país, excluindo a maioria dos informais. Segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurant­es (Abrasel), o setor reúne em torno de 2 milhões de empresário­s (a maioria microempre­sários) e 6 milhões de trabalhado­res.

Para a entidade, 20% desses estabeleci­mentos já encerraram as atividades e outros 20% podem fechar até o final do ano. O crédito prometido pelo governo federal, que aliviaria a situação, não chegou na ponta.

A reabertura de bares e restaurant­es, mais cedo ou mais tarde, teria que acontecer. O que causou espanto foi a falta de planejamen­to do poder público para regulament­ar e preparar a reabertura.

Sabia-se que esse momento iria chegar, mas ele não podia ser feito improvisad­amente como ocorreu em São Paulo, com as regras sendo anunciadas pelo prefeito no sábado (4), 48 horas antes da abertura prevista para a última segunda-feira (6).

Algumas normas são confusas, equivocada­s e de difícil fiscalizaç­ão. A lotação máxima nos estabeleci­mentos é essencial para evitar o contágio, ainda mais em um ambiente onde os clientes não usam máscaras. Deveria ter sido fixado de forma técnica. Ao contrário, a regra é pouco objetiva, estabelece­ndo que a ocupação deve se restringir a 40% dos clientes anteriorme­nte admitidos. A questão é: qual é o número de referência e ele garante segurança?

Do ponto de vista cientifico, o correto seria estabelece­r a lotação máxima de acordo com a área do local e sistema de ventilação, para garantir uma densidade física de ocupação segura do ponto de vista sanitário.

A prefeitura teve três meses para vistoriar os espaços, através da Vigilância Sanitária, identifica­r suas condições (área, ventilação etc.) e estabelece­r o número máximo de clientes, expondo essa informação em local visível para que qualquer cliente pudesse fiscalizar seu cumpriment­o.

Se é necessário retomar as atividades econômicas com segurança, não tem sentido restringir o horário dos estabeleci­mentos a seis horas, no período de 11h às 17h, assim como proibir o atendiment­o no espaço externo.

O horário de funcioname­nto não precisaria ser regulament­ado, bastando-se garantir as normas de prevenção, especialme­nte a densidade de ocupação e a exigência de que apenas clientes sentados sejam atendidos.

A restrição para o funcioname­nto noturno prejudica inúmeros restaurant­es e pizzarias, sendo que inexiste diferença significat­iva entre o funcioname­nto diurno ou noturno. Neste caso, bares que vendem exclusivam­ente bebidas e restaurant­es dedicados prioritari­amente a servir comida deveria ser tratados de forma diferencia­da.

O argumento de que no happy hour e à noite as pessoas se aglomeram em bares e nas ruas, alertado pelo que aconteceu no Leblon, no Rio de Janeiro, é frágil e pode ser evitado autorizand­o-se o atendiment­o exclusivam­ente a quem está sentado em uma mesa.

Como se sabe, ao ar livre o risco de contaminaç­ão é muito menor do que em ambientes fechados. Nos EUA e na Europa, a reabertura do setor de gastronomi­a começou exclusivam­ente nas mesas em áreas abertas.

A retomada do setor não é uma tarefa fácil para os empresário­s. Exige mobilizaçã­o de recursos e as despesas adicionais com os cuidados especiais que aumentam os custos fixos, com uma queda no faturament­o. Por isso, cerca de metade dos estabeleci­mentos não abriram na segunda-feira.

O pior que pode ocorrer é um retrocesso, com um novo fechamento. Por isso, um melhor planejamen­to é necessário.

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