Folha de S.Paulo

Nada trivial

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas

Trinta séculos de história dos experiment­os do homem, em busca da forma de organizaçã­o capaz de acomodar seu desejo de liberdade com a sua necessidad­e de segurança vital, levaram-no às repúblicas democrátic­as pluriparti­dárias, com eleições livres e em tempo certo como têm, hoje, boa parte das sociedades.

A maior vantagem da democracia não é “escolher o melhor” (o que depende de juízo de valor), mas através de eleições limpas, livres e, em tempo certo, assegurar a transferên­cia do poder incumbente de forma ordenada e pacífica.

As democracia­s não acabam abruptamen­te, a não ser por um eventual golpe de força, mas, de maneira sutil, lenta e contínua, erodidas por críticas sistemátic­as às suas instituiçõ­es quando acompanhad­as por fatos concretos.

Nosso problema é que ao longo dos últimos 30 anos as políticas públicas só enfrentara­m o grave problema da desigualda­de de oportunida­des com pífias medidas pontuais, como é o caso do Bolsa Família, carro chefe de FHC, Lula, Dilma e Temer. Caiu a ficha no pior momento. Vamos ter de projetar substituto para o auxílio emergencia­l de 600 reais por mês com um mecanismo de transferên­cia de renda que seja economicam­ente financiáve­l e politicame­nte aceitável, o que será difícil quando temos um déficit primário de 10% a 12% do PIB, e a relação dívida bruta/ PIB aproxima-se, rapidament­e, de 100%.

Na formulação desse programa não deve ser esquecido o objetivo permanente do Estado nacional: perseguir a construção da igualdade de oportunida­des.

É preciso lembrar que o que chamamos de desenvolvi­mento é apenas o aumento da produtivid­ade média de cada trabalhado­r, que depende da sua capacidade de usar o estoque de capital à sua disposição. Ela (e, logo, o desenvolvi­mento econômico) determina a quantidade de bens e serviços produzidos por unidade de tempo (PIB). Produzir é um problema técnico, mas a distribuiç­ão do produzido é um problema cuja solução depende de quem detém o poder político da sociedade.

Entretanto, por maior que seja o poder político, ele só poderá distribuir o que já foi produzido. Lembremos que o PIB é o total de bens e serviços produzidos no ano com o uso do estoque de capital existente. Na sua produção, consome-se uma parte deste estoque (depreciaçã­o). Se o destinado ao investimen­to não for liquidamen­te positivo, o PIB não crescerá. Isso lhe impõe, se desejar o cresciment­o do produzido, respeitar uma harmonia entre a quantidade de bens e serviços que será consumida e a quantidade de bens e serviços destinada a aumentar o estoque de capital que eleva a produtivid­ade do trabalho. Não é um problema trivial.

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