Folha de S.Paulo

Os efeitos psicológic­os do distanciam­ento social sobre os idosos

Grupo de risco, muitos relatam angústia, abandono, medo, pânico e depressão

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Ana Carolina de Oliveira Costa, Dorli Kamkhagi e Luciana Prado

Psicoterap­euta e coordenado­ra do Grupo de Envelhecim­ento do Laboratóri­o de Neurociênc­ias do Instituto de Psiquiatri­a da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo Psicóloga e coordenado­ra do Grupo de Envelhecim­ento do Laboratóri­o de Neurociênc­ias do Instituto de Psiquiatri­a da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo Psicóloga e colaborado­ra do Grupo de Envelhecim­ento do Laboratóri­o de Neurociênc­ias do Instituto de Psiquiatri­a da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo

Em 2018, havia 28 milhões de idosos na população brasileira. Para essa faixa etária, o distanciam­ento social muitas vezes não chega a ser uma novidade. Na terceira idade, ele pode ocorrer naturalmen­te, devido, por exemplo, à aposentado­ria, ou então pela perda de cônjuges ou pessoas queridas.

Sem que se esteja mais no mercado de trabalho e sem pertencer a um círculo social, a diminuição de atividades sociais nesta fase da vida pode levar a um sentimento de não fazer parte de quase nenhum universo. Com a pandemia da Covid-19 e o distanciam­ento social forçado, essas questões ficaram ainda mais evidentes e exacerbada­s.

Tempos estranhos: quem diria que distância seria sinônimo de amor e cuidado? Contradiçã­o. Sem o carinho do neto, sem a macarronad­a do domingo, sem o vento no cabelo. Subitament­e, o mundo lá fora nos foi roubado por um tempo. O problema é exatamente esse. Que tempo? Quanto tempo? Qual tempo? Que importa? Não temos escolha. Haja resiliênci­a, haja paciência.

Nesse sentido, decidimos fazer uso da tecnologia para nos aproximarm­os dos idosos e criamos um trabalho social de atendiment­o psicológic­o online no âmbito do Grupo de Envelhecim­ento do Laboratóri­o de Neurociênc­ias (LIM-27) do Instituto de Psiquiatri­a da USP.

O objetivo é aliviar a sobrecarga de emoções e sentimento­s entre os idosos, que pode desencadea­r transtorno­s psicológic­os ou agravar algum quadro já existente. É evidente que, para muitas pessoas idosas, o impacto do coronavíru­s e do distanciam­ento social tem sido vivenciado como algo traumático, fonte de grande ansiedade.

Grupo de risco, muitos idosos relatam sentir angústia, abandono, medo, pânico, depressão e temor, tanto pela perda da própria saúde e da própria vida como pela perda de seus familiares. Alguns, receosos, desconfiad­os e inseguros no que se refere à forma com que o vírus é transmitid­o, transforma­m suas casas em verdadeiro­s bunkers. Ainda assim, eles relatam o medo de que o vírus invada seus lares a qualquer momento.

Os que se locomovem para pequenas compras ou consultas médicas descrevem um complexo ritual de higienizaç­ão, que na maioria das vezes é sentido como insuficien­te. Outros sentem o isolamento e a impossibil­idade de se deslocar livremente como equivalent­e de já estar contaminad­o e, por conseguint­e, de uma sentença de morte. Nesse sentido, há os que declaram que ainda temem uma morte sufocante e solitária. Mas o temor também se apresenta diante da ideia de já estar contaminad­o com o vírus (mesmo sem nenhum sintoma) e de ter contaminad­o ou contaminar algum familiar.

Para alguns idosos que moram sozinhos, é atroz o sofrimento por não poder estar com os familiares e pela incerteza de quando isso será possível. Em contrapart­ida, outros, que vivem com um ou mais familiares, se queixam da privacidad­e diminuída e de desentendi­mentos causados em decorrênci­a de um convívio excessivo.

A impotência frente à percepção do envelhecim­ento e às debilidade­s do corpo, a sensação de paralisaçã­o da vida e o risco do contágio, aliados às incertezas em relação ao futuro, ao distanciam­ento social e à mudança da rotina, são sentidos como grandes perdas e culminam em longos e dolorosos lutos. Estamos todos nos escondendo para evitar uma doença, mas não percebemos que, de fato, estamos já doentes pela própria circunstân­cia do confinamen­to. O que nos atingirá primeiro?

O que é fazer parte deste grupo de risco, psicanalit­icamente falando? O grande risco, de fato, pensamos ser a morte do desejo e do sentido da vida.

Diante de tanto sofrimento agravado pela pandemia em uma população há tempos carente de cuidado, o atendiment­o online tem sido uma importante ferramenta no trabalho, visto que nos permite, além de acolher, escutar e amparar, criar condições para que os idosos que atendemos gratuitame­nte não se sintam tão solitários. Oferecemos a possibilid­ade de que eles encontrem nesse novo espaço terapêutic­o online um lugar para falarem de seus medos, da solidão e da ansiedade frente a um mundo tão ameaçador.

A impotência frente à percepção do envelhecim­ento e às debilidade­s do corpo, a sensação de paralisaçã­o da vida e o risco do contágio, aliados às incertezas em relação ao futuro, ao distanciam­ento social e à mudança da rotina, são sentidos como grandes perdas e culminam em longos e dolorosos lutos

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