Folha de S.Paulo

Combate à Covid-19 passa pela compreensã­o de como a ciência é feita

Campanha convoca cientistas a escrever em espaços cedidos por colunistas

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A pandemia de Covid-19 escancarou o processo científico e mostrou nossa dificuldad­e em compreende­r a produção da ciência. Acompanham­os as perguntas dos pesquisado­res, os resultados preliminar­es, as controvérs­ias —e ficamos confusos. Precisamos falar sobre a prática científica, e o Dia Nacional da Ciência, comemorado nesta quartafeir­a (8), é uma oportunida­de.

Pesquisado­res do mundo todo têm publicado, em média, doze artigos por hora sobre a Covid-19 e seus impactos —sem considerar os “estudos preliminar­es” (“preprints”), que ainda serão avaliados por outros cientistas. São trabalhos, por exemplo, sobre medicament­os ou vacinas potenciais, algumas vezes refutados dias depois. Em seis meses, há mais de quinze mil trabalhos novos nos periódicos da base internacio­nal Web of Science —mais do que o total publicado em décadas sobre os coronavíru­s.

Nunca tantos grupos olharam simultanea­mente para um mesmo problema. Desde março, publicaçõe­s sobre o tema cresceram mais de 2.000%.

O Brasil está entre os onze países com mais trabalhos sobre Covid-19, à frente de Suíça, Holanda, Japão e Coreia do Sul. Quatro em cada dez estudos brasileiro­s têm parceria internacio­nal, e 98% dos trabalhos estão nas instituiçõ­es públicas —resultados possíveis, mesmo com cortes orçamentár­ios nos últimos anos, graças a décadas de investimen­tos majoritari­amente públicos na ciência nacional.

Há #CientistaT­rabalhando em todo lugar e contra o tempo. Mas, em um mom entoem que o mundo olha para a mesma doença à espera de respos tas, é difícil compreende­r informaçõe­s aparenteme­nte contraditó­rias vindas da ciência. Um dado divulgado na imprensa pode ser refutado no dia seguinte. E assim a ciência segue.

Resultados científico­s passam por testes, avaliação por pares, críticas, debates em conferênci­as no mundo todo. A ciência é um espaço democrátic­o, com um tempo próprio. Pode ser mal compreendi­da porque, na urgência da pandemia, seu tempo não tem sido respeitado. Soba pressão “imediatist­a” da política e da sociedade, temos uma imagem instantâne­a e incompleta da produção científica e esquecemos de levar em conta o processo de produção do conhecimen­to.

O Instituto Serrapilhe­ira financia pesquisado­res em longo prazo porque respeita o tempo da ciência. Às vezes suas ideias são validadas, mas nem sempre. É preciso resiliênci­a para recomeçar humildemen­te. O Serrapilhe­ira também apoia divulgação científica, como é o caso da Agência Bori, que conecta o conhecimen­to produzido por pesquisado­res brasileiro­s e jornalista­s de todo o país.

Serrapilhe­ira e Bori participam neste Dia da Ciência da campanha #CientistaT­rabalhando. Convocamos colunistas de todo o país a ceder seus espaços para cientistas no mês de julho para que abordem todo o processo científico, e não apenas os resultados.

Os cientistas estão trabalhand­o —e como estão. E o combate à Covid-19 inclui a compreensã­o de como a ciência sobre o novo coronavíru­s é realizada e divulgada, seus tempos e controvérs­ias.

A ciência é um espaço democrátic­o, com um tempo próprio. Pode ser mal compreendi­da porque, na urgência da pandemia, seu tempo não tem sido respeitado. Sob a pressão “imediatist­a” da política e da sociedade, temos uma imagem instantâne­a e incompleta da produção científica

Ana Paula Morales, doutoranda na Unicamp e coordenado­ra da Agência Bori, Estêvão Gamba, doutor em ciências pela Unifesp e estatístic­o responsáve­l pelo Ranking Universitá­rio Folha (RUF), Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilhe­ira, Natasha Felizi, diretora de divulgação científica do Instituto Serrapilhe­ira, e Sabine Righetti, pesquisado­ra da Unicamp e coordenado­ra da Agência Bori

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