Folha de S.Paulo

Cidadão, não; engenheiro formado

Graças aos vídeos, cenas de humilhação do ‘outro’ custam caro

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a” | dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübner

A cena foi a mesma.

Na Barra da Tijuca, um fiscal da vigilância sanitária interpelou um casal num estabeleci­mento onde não se respeitava o isolamento social. O marido desafiou-o, dizendo que ele não tinha uma trena para medir os espaços. O fiscal disse: “Tá, cidadão”. Até aí, seria o jogo jogado, mas a senhora foi adiante:

“Cidadão, não. Engenheiro civil formado, melhor que você.”

Salvo os macacos, os bípedes passaram a usar o tratamento de “cidadão” durante a Revolução Francesa, que derrubou a hierarquia nobiliárqu­ica.

Dias depois a engenheira química Nívea Del Maestro foi demitida da empresa de transmissã­o de energia onde trabalhava. Em nota, a Taesa informou: “A companhia não compactua com qualquer comportame­nto que coloque em risco a saúde de outras pessoas ou com atitudes que desrespeit­em o trabalho e a dignidade de profission­ais que atuam na prevenção e no controle da pandemia”.

Com a mesma retórica, em maio passado, o joalheiro Ivan Storel recebeu um PM que foi à sua casa em Alphaville (SP) atendendo a um chamado que denunciava violência doméstica:

“Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano.” (...) “Eu ganho R$ 300 mil por mês”, “você é um merda de um PM que ganha R$ 1.000.”

Storel viria a desculpar-se, dizendo que estava sob o efeito do álcool e dos remédios que toma por estar em tratamento psiquiátri­co.

Dias antes, em Nova York, um cidadão que observava passarinho­s no Central Park pediu a uma senhora que prendesse a coleira de seu cachorro.

Ela se descontrol­ou e chamou a polícia, dizendo que “um afroameric­ano está ameaçando minha vida”. Ela foi demitida da firma de investimen­tos onde ganhava US$ 70 mil anuais.

Nos três casos, a arma dos ofendidos foi a câmera de seus celulares. Postas na rede, as cenas viralizara­m. É a mesma arma que registra a violência policial nas periferias das grandes cidades brasileira­s.

As câmeras tornaram-se um remédio eficaz para combater os demófobos prontos para aplicar carteirada­s sociais no “outro”, hipotetica­mente inferior. Ao “você sabe com quem está falando”, o progresso contrapôs o “você sabe que está sendo filmado?”.

Mesmo dentro das suas lógicas infames, as duas senhoras estavam enganadas.

O fiscal da cena carioca era doutor em medicina veterinári­a pela Federal Fluminense e o afro-americano do Central Park formou-se em Harvard.

O fiscal do Rio, e o PM de São Paulo, representa­vam o Estado, que na cabeça dos demófobos é um ente a serviço do andar de cima. “A gente paga você, filho. O seu salário sai do meu bolso”, ensinou a senhora da Barra da Tijuca.

O afro-americano do Central Park lastimou que a vida da mulher tivesse virado de cabeça para baixo por causa da notoriedad­e que a cena viralizada lhe deu, mas recusou-se encontrá-la para um ritual de pacificaçã­o.

Em geral essas cenas de humilhação do “outro” duram poucos segundos e, sem os vídeos, não teriam consequênc­ia. Graças a eles, custam caro.

A vida dos brasileiro­s melhorará quando vídeos semelhante­s, mostrando cenas de violência policial contra jovens do andar de baixo tiver algum efeito. Por enquanto ele é nulo, até mesmo porque em muitas cidades os policiais costumam prender quem os filma.

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